Sete Anos Numa Vida, Carla Vieira

Eu não sei mas ouvi dizer que, segundo estudos científicos, as células do nosso corpo se estão constantemente a regenerar. As células vão morrendo e outras tomam o seu lugar. Os estudos dizem portanto que demora exactamente sete anos até que todas as células do nosso corpo tenham sido substituídas por outras, o que nos torna pessoas completamente diferentes. Num sentido metafórico, de sete em sete anos deixamos de ser a pessoa que éramos e tornamo-nos outra pessoa diferente e nova. Como eu tenho 22 anos, já fui portanto três pessoas distintas. Porque queria verificar essa afirmação por mim mesma, fiz a minha própria pesquisa (leia-se, escrevi um estado no facebook, li um livro e vesti camisolas. Explicado mais à frente) e descobri que realmente esse estudo deve ser bastante verdadeiro.

Devo dizer, primeiramente, que sempre cresci num ambiente bastante saudável. Isto não é comprovativo da minha sanidade mas sim um atestado contra leitores que eventualmente possam pensar que os meus paizinhos não fizeram um bom trabalho comigo. A verdade é que fui buscar o meu livro de curso do 9º ano (como algumas vezes faço quando me dão as saudades) e comecei a ler. Entre as leituras apercebi-me que naquela altura as crianças ou pré-adolescentes, colegas de turma, partilhavam a mesma opinião sobre a minha pessoa: que eu era uma rapariga extremamente nervosa e “chilicada”, dada à violência verbal e muito reservada.

Depois fui rebuscar certas fotografias e memórias que advêm dos tempos seguidos, entre o 10º e o 12º anos de escolaridade, altura em que me separei dos meus colegas e fui para um estabelecimento de ensino onde não conhecia ninguém. Aí tive a oportunidade de crescer e abrir os olhos. Embora sentisse a falta terrível de uma amiga que seguiu o seu caminho, criei novas amizades. Lembro-me do quão particularmente difícil foi para mim abrir mão da minha bolhinha e começar a falar. Notava que os meus iriam-ser-amigos não eram pessoas predispostas a esperar muito por afirmações pessoais e portanto, muito calmamente, fui descobrindo que falar sobre mim não era assim tão mau quanto isso. Comecei a soltar-me e pela primeira vez fui socializar fora da escola. Ia almoçar fora, brincava e ria-me bastante. Fui portanto ler as dedicatórias nas camisolas de fim de ano, e pelos vistos mais de dez pessoas acham que eu na altura era uma pessoa “fixe”, se bem que um bocadinho temperamental… Mas nada que não se curasse.

Depois de um Verão em que a melhor recordação foi eu estar a cinco minutos solares de me tornar uma lagosta (ou isso ou ir parar ao hospital, mas como sempre, nada que não se curasse) fui para a Universidade e cresci ainda mais. Muitas pessoas hão-de dizer que o primeiro ano de faculdade é o melhor por causa da praxe, mas como eu nunca fui muito disso, não posso dizer que “ah e tal ser caloiro é que é” porque para mim foi mais um andar e progredir constante. Deixei outra vez amigos para trás, se bem que nunca esquecidos, e criei laços maturos com personalidades que não podiam ser mais distintas das minhas, e que fui nutrindo como pude. No entanto, o fenómeno mais engraçado e que eu vou discutir agora deu-se depois de eu completar os meus três anos de licenciatura.

O dia fatídico foi uma estreia de um filme que já devem ter ouvido falar, um tal de Harry Potter. Era Verão e eu colei-me como uma lapa a uma amiga minha que ia à estreia e me conseguiu arranjar bilhetes. Esse momento à lá bola de neve fez com que eu conhecesse talvez, as mais intrigantes pessoas que já avaliei. Foi nesse preciso momento (mentira, por acaso foi nas semanas seguintes) que eu percebi a imensa e grandiosa oportunidade que tinha recebido: a oportunidade de ser quem eu quisesse. Pessoas novas que não conheciam a minha identidade aos 21 anos experienciaram sem saber uma ampla descoberta pessoal na minha individualidade e só precisei de alguns comentários do facebook para me provarem isso (e volta e meia, viram como eu fechei o ciclo? Camisolas, livros e comentários). Enterrei o meu nome e criei um heterónimo pessoal, comecei a dizer “sim” a experiências que alguns anos atrás me levariam a dizer “não”, e não é por nada mas duvido que este particular grupo de pessoas se acreditasse por um segundo nos testemunhos dos meus colegas de turma do 9º ano, caso eles fizessem um texto sobre a minha pessoa. Sou uma rapariga fogosa, temperamental com certeza mas sem papas na língua, forte e determinada que não deixa que lhe pisem os calos.

E com esta pseudo-autobiografia quero dizer o quê? Quero rematar com a conclusão de que nós, pessoas, estamos sempre a autocriarmo-nos. Vem-me à memória um episódio da série “How I Met Your Mother” em que discutem os personagens que as pessoas se vão tornando doppelgängers de si mesmas, porque de tantos em tantos anos moldam-se e tornam-se pessoas diferentes daquilo que eram. Desconheço a teoria científica, mas como estudante de Filosofia que já fui, acredito realmente no homem como sendo um ser-projecto.

Eu sou um projecto de vinte valores. E vocês?

Crónica de Carla Vieira
Foco de Lente