A Incrível Curta Vida de Sr. Lopes — A Justa Homenagem!

A vida parecia demasiado aborrecida para o Sr. Lopes, assim que veio ao mundo. Num ápice passou de uma prisão acolhedora, para uma outra prisão mas com grades. É verdade que tinha tudo o que precisava para ser feliz, segundo a filosofia que estava bastante intricada no mundo que a sua espécie conhecia. Na pequena prisão onde se encontrava, tinha uma rodinha para fazer o seu exercício físico, comer e água. Segundo o que lhe tinham ensinado, era apenas disso que ele precisaria para ser feliz. Para viver uma boa vida. Mas o Sr. Lopes era diferente. Ele, ao contrário de todos os que o acompanhavam naquela prisão, não gostava daquela vida monótona. Ele queria mais. Para ele, o mundo parecia muito mais do que simplesmente passar os seus dias fechado numa gaiola, comendo, bebendo, correndo na rodinha e fazendo as suas necessidades fisiológicas. O mundo não podia ficar apenas por ali. Tinha de existir algo mais. Para o Sr. Lopes, ser um Hamster Anão Russo, não podia significar apenas viver assim, daquela forma. Era básico demais, para um ser curioso e aventureiro como ele.

Certo dia, alguém apareceu para mudar a sua vida aborrecida. Um casal de humanos surgiu com a missão de o retirar daquela prisão. E, de um momento para o outro, o Sr. Lopes viu-se a sair dali e a sorrir de forma veemente — pois seria a oportunidade por que tanto esperara, impacientemente. Finalmente ele iria ver o que existia para além daquela gaiola, para além daquela loja de animais onde tinha sido o seu lar desde que nascera.

Mas rapidamente se apercebeu que nem tudo iria ser tão animador como pensara. Pois, quando deu por si, estava de volta a uma nova prisão, mas num sítio diferente. Apesar de tudo ser diferente do que até agora conhecia, ele estava de volta a uma gaiola. De princípio, o Sr. Lopes ficou desanimado. Mas começou a notar que, ao contrário do que tinha sido a sua experiência na loja de animais, no seu novo lar os humanos davam-lhe muito mais atenção. E tratavam-no com muito carinho. O Sr. Lopes sentia-se muitíssimo bem naquele sítio. Para além de um casal de humanos, existia também uma humana mais pequena e uma cadela com ar assustador, de tons castanhos claros, mas que não dava muita importância ao facto de ele estar ali, e de fazer agora também parte da família. O Sr. Lopes sentia-se seguro e amado ali, ao contrário do que acontecia na loja de animais. Dias, semanas e meses foram passando, e ele percebeu que ele próprio tinha sido uma espécie de prenda para a humana mais pequena daquela família, aliás, da sua agora também família. Ele gostava muito dela. Achava-a linda, e adorava sempre que ela brincava com ele.

O mundo do Sr. Lopes parecia, de facto, muito bom para ele desde que se mudara para aquele lar…

Mas… o instinto de aventureiro continuava a assombrá-lo, e ia crescendo de dia para dia. Ele queria mais. Apesar de se sentir bem naquele lugar, ele sentia a necessidade de saber o que existia mais no mundo para além de passar os dias fechado naquela gaiola. Reparou que, no tecto da sua gaiola, existia uma porta que, geralmente, estava sempre aberta. Mas estava localizada num local inacessível para ele. Mas não desistiu. Todos os dias, à noite, enquanto todos dormiam, ele tentava chegar à porta. De dia para dia ia avançando mais e mais. Até que, finalmente conseguiu. Ficou satisfeito e elaborou um plano. No dia seguinte, colocou em prática o seu plano. Bebeu o máximo de água possível, carregou uma espécie de mochila elaborada por ele com material que se encontrava no interior da gaiola, e encheu-a de pipas. Lançou-se em direcção à porta que estava no tecto e conseguiu sair daquela prisão.

Desceu pela mesa até ao chão da cozinha e foi avançando. Rapidamente chegou à sala. Não ficou por ali e continuou a vasculhar todos os cantos da casa até chegar a um dos quartos. Sentiu uma brisa a levantar-lhe os bigodes e reparou que a janela estava aberta. Avançou, de forma descontrolada, pois o seu espírito aventureiro e a incurável necessidade que possuía em conhecer mais do mundo, assim o obrigava. Ao chegar à janela reparou que, para lá da mesma, encontrava-se uma varanda enorme. Continuou avançando, até que estagnou ao aperceber-se que não estava sozinho na varanda. Encostada a um canto, encontrava-se a cadela de ar assustador, que olhou para o Sr. Lopes, soltou um breve suspiro e voltou a deitar a cabeça entre as patas e fechou o olhos.  O Sr. Lopes prosseguiu na sua demanda, chegando ao fim da varanda. Chegou-se cautelosamente até à beira e olhou para o horizonte, apercebendo-se que o mundo estava ali. O tal mundo que tanto desejava conhecer, encontrava-se à sua frente. Olhou para baixo e reparou-se que, até ao chão, era de facto um pouco alto. Conteve-se um pouco, mas, uma vez mais, o seu espírito aventureiro foi mais forte do que ele e avançou destemido…

…e caiu a pique a uma velocidade assustadora e incontrolável, atingindo o chão com uma força tal que rapidamente sentiu-se a ficar sem ar nos pulmões.

“Isto não foi realmente uma boa ideia…”, pensou Sr. Lopes. A queda foi tão violenta que o deixou pregado ao chão. À medida que os segundos foram passando, o Sr. Lopes foi ganhando consciência que a vida estava a fugir-lhe rapidamente. De facto, ele iria falecer. E não iria demorar muito. E momentos antes de o seu coração dar a última batelada, suspirou e pensou:

“De facto, sou um Hamster Anão Russo cheio de sorte… pois tive a oportunidade de conhecer uma família linda que me fez muito feliz… Que se lixe o mundo, venha de lá o Paraíso…”

(Descansa em Paz, Sr. Lopes…)

Isto é que é uma Vida de Cão, hein..