A minha vida dava uma crónica. – Destino

Ele não acreditava no destino.
A sua vida fora no entanto uma extraordinária sucessão de acontecimentos inexplicáveis:
Complicações no parto ditaram a sorte que durante a sua vida nunca o abandonaria.
Com o seu pequeno pescoço abraçado pelo cordão umbilical, quando cumprimentava pela primeira vez o mundo, ainda hoje ninguém consegue explicar o milagre que aconteceu uns minutos depois do milagre que foi o seu nascimento.


A mãe desmaiara com as dores, e permanecera no soalho de sua casa durante umas infindáveis 8 horas.
Mas ele tinha de nascer naquele momento, porque nascendo um dia depois toda a sua vida teria um designio completamente diferente.
Diz quem o encontrou que ele ali já estava há 2 dias, a mãe que se mãe era fora por vontades alheias, deitada já na cama confirmava:
“Nasceu há dois dias mas mal olhei para ele tamanhas as dores que sinto… Vi que estava morto e deixei-o no sitio”.
Mas não estava morto.
Estava “apenas” asfixiado, isto claro, além de indesejado, esquecido e principalmente abençoado.
“Foi como foi e não como tinha de ser” defender-se-ia anos mais tarde quando questionado sobre a sorte que o acompanhara desde o inicio.
Ele não acreditava no destino.
Cresceu, fez-se homem, não sem antes numa noite de itempérie um infeliz acontecimento marcar a vida de quem conhecia o quotidiano da aldeia onde viva.
Brincava com dois amigos, no pátio de sua casa quando dois raios de rajada, aniquilaram os companheiros que se encontravam a menos de dois metros dele.
Todos olhavam para ele como se de um santo se tratasse e quando lhe disseram que estava escrito que ele não iria morrer naquela noite, a sua reacção foi brusca e violenta “Destino?Isso não existe…Foi como foi e não como tinha de ser.”
Os avós assustados, entenderam que aquilo era um aviso, e disseram para ele ir para bem longe, porque Deus não avisa três vezes quando as pessoas não ligam aos sinais e não cumprem suas vontades.
Ele foi se embora para uma vila maior e ai ultrapassou as 20 primaveras, sem nunca perceber a benção que era estar ali a festejar os seus milagres da vida.
Era um facto…
Ele não acreditava no destino.
Não acreditava nas forças da natureza, nem na existência de uma ordem natural ditada pelo universo.
Mas acreditou na força do vento e na desordem que este provocou naquele arraial ao qual ele não queria ir.
Foi contrariado e no meio da confusão, começou a discutir com as contas que o vendedor de farturas fizera, pegou num papel do chão e explicou-lhe que a razão estava do seu lado, somando o preço de todos os bens que lhe comprara.
Mas não estava, pois o preço era o correcto.
Guardou o papel e no dia seguinte a lotaria andou à roda e no bolso das suas calças, uma taluda outrora perdida, agora mal achada,transformar-se-ia em milhões.
O dinheiro não lhe subiu à cabeça, nem a ideia que algo cientificamente não explicável acontecera.
Continuava sempre com a mesma convicção…
Ele não acreditava no destino.
Já o destino provavelmente acreditava muito nele, qual cobaia de tantos acasos, cuja singular ocorrencia na vida de um nós se traduziria como o momento mais marcante da nossa existência.
Mas na vida dele era apenas mais um momento.
Um momento que aconteceu, única e simplesmente, porque sim.
“Porque não?”.
Esta sua pergunta era retórica pois o dinheiro era dele e se decidiu gastar tudo no jogo, tal tratou-se de uma opção válida como outra qualquer.
Durou meses esta sua dependência, todos os dias de todos os meses ele lá estava desde que a porta abria até que uma voz abafada anunciava o encerrar da casa de jogo, ele e mais 7 jogadores que procuravam ter um centesimo daquilo que ele já tinha.
Mas a depêndencia aumentou e numa noite de total loucura e desvario a metade da sua fortuna que lhe restava esvaiu-se por entre “all-ins” despropositados.
Sozinho e de bolsos vazios pensava…”Então…ninguém me vem agora falar do Destino e da minha boa estrela?”.
Nunca veio a saber que no dia seguinte, todos que ali estavam receberam ordem de prisão e foram condenados a 22 anos de prisão pela prática de jogo ilegal e por uma serie de crimes violentos, que apesar de não terem cometido, serviram na perfeição para publicitar mais uma grande vitória da justiça.
Sem dinheiro teve de procurar um emprego e facilmente preencheu uma vaga de comercial de uma grande multinacional.Ai contactou com milhares de pessoas, conheceu gente como nunca antes conhecera, eram tantas pessoas que muitas ficaram seus amigos e eram em numero tão exagerado que nem dessas ele sabia o nome.
Entre tanta gente nova que entrava na sua vida, conheceu com naturalidade a mulher com que casou.
Teve filhos, netos e ainda assistiu ao nascimento de dois bisnetos e um trisneto.
Natural, para quem tanto fintara a morte.
Antes de morrer, dezenas de jornalistas invadiram a sua casa por ocasião do seu centésimo vigésimo terceiro aniversário e foi ai que explicou:
“Recusei-me sempre a acreditar no Destino, porque se acreditasse e agradecesse ao destino por ter conseguido nascer, por ter escapado à morte e por ter ficado milionário, também teria de o culpar por ter perdido a minha mãe, por ter perdido os meus únicos dois amigos de infância e por me ter viciado no jogo sentindo na pele o que é ficar de repente sem nada.
As coisas boas e más, fui eu fiz acontecer, tudo…quase tudo…porque se não fosse a minha luta com horas de vida, eu estar um metro e pouco afastado dos meus amigos e eu ter pegado naquela cautela premiada, nunca teria conhecido a mulher da minha vida e construido esta familia.
Porque aconteceu isto?Fácil amigos, isto só pode ser obra do destino.”
E aquele que não acreditava no destino acabou por morrer junto à mulher que amava, numa noite de trovoada, enquanto via na televisão a extração dos números da lotaria.
Ah…morreu asfixiado e abençoado mas quis o destino que jamais fosse indesejado ou esquecido.