A minha vida dava uma crónica. – O meu é maior do que o teu

Ele espreitou para o lado, ali, onde só estavam homens e exclamou:
“O meu é muito maior do que o teu”.
Ferido no orgulho, o meu primeiro impulso foi tapar o objecto do crime.
Tentei demonstrar que o tamanho não era importante e que o sucesso de um homem com o sexo oposto não era proporcional a um mero número.
Quando dei por mim estavam todos a ver quem o tinha maior.
Deplorável espectáculo onde egos se confrontavam, numa disputa tão supérflua quão desnecessária.
Dez marmanjos com idade para ter juízo, numa aula de informática a tentar perceber de quem era o maior facebook é, sem dúvida, um espectáculo triste.
Acreditem em mim.

O do Carlos era o maior: 2 milhares de amigos virtuais mas o meu não era o pior.
O do Nando limitava se a uns ridículos 37 amigos. 37 amigos…leram bem. Para se ter 37 amigos não é preciso ter facebook basta ter um telefone e ir ligando para saber o que estão a fazer e do que gostam…

Acabei por adicionar o Nando por ter pena dele e graças a este acto de misericórdia passei a meia centena. É verdade: 51 amigos.Inteiros.Não os conheço todos claro está, mas não deixam de ser meus amigos.

Dois dos que não conheço até são os meus melhores amigos: O Filipe e o André. E uma é a minha namorada, a churrascaria do Amial.

Eu não sou estúpido para namorar com uma churrascaria, não pensem…sei perfeitamente que quem gere a página é um ser humano. Rezo todos os dias para que seja uma mulher. E nova. E bonita.

O Carlos orgulhoso dizia que até bares, uma mercearia e uma sociedade de defesa dos direitos dos animais lhe tinham dado os parabéns pelo seu aniversário.
Não recebera nenhuma prenda real pois é um tipo insuportável mas caramba…receber os parabéns de seres inanimados é prestigio.

O Jorge é um dos meus amigos reais da página. Um dos sete. Ele só namora com raparigas feias e quase todas conheceu nesta rede virtual. Costumamos dizer-lhe que aquilo não é o “facebook ponto com” do Jorge mas sim o “uglyface Jorge com(e)”.
Ele não se importa e diz que o que mais gostou nas miúdas, desde o instante que as conheceu, foi a personalidade delas.

O facebook mudou de tal maneira a minha vida que outro dia dei por mim a pensar que antigamente para dar um toque a outra pessoa tínhamos mesmo de estar com ela e tocar-lhe. Vivemos muitos anos no tempo dos dinossauros não haja dúvida. Até para ter filhos precisávamos de praticar o coito sem ser interrompido, agora é indiferente…basta chegar ao facebook e colocar que x é meu filho. Se ele aceitar aparece a minha paternidade imediatamente estampada na página.

Outro dia fui à casa de banho e esqueci-me de actualizar o meu estado. Nem consegui fazer nada com a preocupação de saber que as pessoas achavam que eu ainda estava a dormir. Levantei-me da sanita e fui a correr dizer que ia fazer necessidades.Só depois de escrever as fiz em paz. Passado um minuto estava de novo a actualizar o meu estado a dizer que ia lavar o quarto e o corredor.

Para mim a revolução do 25 de Abril só terminou quando aderi a esta rede social, pois só agora consigo dizer o que penso sem levar imediatamente dois sopapos de quem me está a ouvir.

Quando morrer não me interessa o que vão fazer ao meu corpo…porque esse enterrado ou em cinzas ninguém o vai mais ver. Já o meu facebook pedi a todos os meus amigos virtuais e aos 7 reais que o enviem para o Oceano Atlântico…Que peguem nos portáteis, vão para a praia, abram no meu perfil e…

Lá me bloquearam outra vez. Esta gente que bloqueia as pessoas no facebook não terá uma vida própria? Sempre em frente ao computador a bloquear tudo o que eu digo por “conteúdo demasiado estúpido”. Serão estes bloqueadores “agentes” da emel aposentados? É que está sempre a acontecer-me isto…agora vou ter de adicionar os meus amigos e a minha namorada de novo. E se não aceitarem? E se perder a paternidade do Leninho quem se responsabiliza? Juro que sou menino para criar um grupo a denunciar esta situação.

Se nem o facebook é perfeito como posso acreditar na vida real?

Crónica de João Pinto Costa
A minha vida dava uma crónica