A minha vida dava uma crónica

Nasci como conto um dia morrer:  Careca e desdentado, é verdade, mas com todas as mulheres presentes no meu leito a dizerem que sou muito bonitinho e que estão cheias de vontade de me apertar e dar beijinhos. Espero ter algum discernimento para dizer que não vale a pena darem-me umas palmadas no rabo mas se não o tiver não é grave.Venham elas.A não ser que o meu estado seja de tal forma grave que tenha de estar ligado a um saco para fazer as minhas necessidades, o que pode tornar tudo bastante desagradável se ao darem as palmadas arrebentarem com ele. Mas como estou prestes a finar pelo menos não tenho que me preocupar com as limpezas. Depois desse memorável momento toda a gente diria:” A morte do João foi uma grande merda” e todos viveriam na ilusão que fui uma pessoa querida por todo o mundo, cujo desaparecimento gerou pesada consternação.


Este parágrafo passível de gerar uma tenebrosa imagem mental tem uma dupla finalidade: A primeira é baixar as vossas expectativas, uma vez que alguém que faz referência às suas necessidades no primeiro parágrafo, da primeira crónica que escreve num novo espaço de opinião não pode ser levado muito a sério. A segunda é para demonstrar que o inicio e o fim de algo pouco depende de nós.O que vier depois desta crónica até à penúltima vez que escrever algo é o que verdadeiramente importa. Quem criticava Hitler por ele ter urinado abundantemente quando nasceu? Quem o criticou por ele ter colocado termo à sua vida? Só o que medeia a nossa existência interessa. Podem dizer que isso é verdade quando falamos de vidas e não de meras crónicas. Podem dizer mas não deviam, é que ainda falta eu referir um ponto essencial que vos retira a razão quando pretendem separar a vida do que aqui escrevo :É que a minha vida dava um crónica.

Não há nenhuma vida que dê um filme. Isso é um mito. Quanto muito há alguns filmes que dão vidas que são aqueles filmes para adultos, quando eles e elas não se protegem, e que infelizmente não são para aqui chamados. Uma vida não dá um livro, nem uma revista, mesmo que chamemos à nossa filha Maria,Ana ou TVguia. Uma vida não dá uma música porque na música há apenas sete notas e durante a vida somos constantemente avaliados. O máximo que poderemos dizer é que algumas vidas dão crónicas: Sejam doenças crónicas, dores crónicas, paixões crónicas,loucuras crónicas…Só o que é crónico, ou seja incurável, dura toda uma vida e por isso digo sem hesitar que a minha vida, a dar alguma coisa, dava uma  crónica. Se essa crónica é crónica e vai durar toda a vida? Não sei…se há algo que não vai depender de mim é o final desta história.