A relatividade das coisas – Mara Tomé

A “Maria” é uma mulher fantástica e uma excelente professora. Conheço-a há alguns anos e é das pessoas mais amáveis e bondosas que existem. É afável, prestativa, alarga o seu amor aos filhos dos outros e dá de si, mesmo quando há quem não o mereça. Às vezes, não lhe é fácil lidar com crianças complicadas porque a sua vida já é complicada q.b.

“Maria” é mãe de duas filhas lindíssimas. Uma é autista. Mas esse é o menor dos seus males. Essa jovem mulher, hoje com 19 anos, tem deficiência mental, epilepsia e autismo clássico. Mal fala, não olha para ninguém, não tolera o toque nem a proximidade. É calma mas tem acessos violentos terríveis. “Maria” aparece na escola, por vezes, com o olhar cansado mas de sorriso nos lábios, espalhando os bons-dias a todos na sua voz rouca, sem querer esconder que a filha voltou a ter uma crise mais forte – provam os pensos rápidos que a mãe traz nas mãos. “Maria” é uma mãe extremamente presente que vive para as suas meninas e cuida de ambas sem descurar uma ou outra, sem descurar o seu trabalho e os meninos que ensina todos os dias. “Maria” faz a sua vida normal com a sua menina especial e leva-a às compras e ao cabeleireiro e a abastecer o carro. Mas, às vezes, “Maria” chora e sente-se perdida… As suas meninas, que são tudo para si, precisarem de tanto e ela sem poder fazer nada…

Qualquer pessoa normal, nestas circunstâncias, iria maldizer a sua sorte ou a sorte desta filha, ponderando seriamente a institucionalização e o reforço de medicação, fazendo-se mil e uma perguntas, tendo mil e um desgostos. O único desgosto de “Maria” é este, característica evidente de alguns casos de autismo: “quero tocar na minha filha e abraçá-la e ela não me deixa porque não consegue lidar com isto. Arranha-me e agride-me e deixa-me com marcas. O não deixar que eu lhe toque é o que me dói mais.”

Comentários? Nenhum. Eu sinto uma admiração enorme por esta mãe e, quando fala das filhas, sinto o amor que tem pelas suas meninas, sem que precise de o dizer por palavras. E sinto admiração pela irmã desta menina que, indiretamente, sente a responsabilidade de olhar por ela.

Serão sempre os anjos da guarda umas das outras.

Crónica de Mara Tomé
T2 para 4