Absolute beginners

Só não achava estranho o nariz ter-lhe crescido arrebitado, quem a conhecia muito bem e desde tenra idade sabia que, através de expor opiniões que ninguém se atrevia a contrariar, ela adorava dar a conhecer aos rapazes uma amostra de como seria diferente, para melhor, um mundo em que fossem as mulheres a mandar.

Teve ao longo da vida tantos nomes como noites em claro que atravessou a tentar resolver os problemas dos outros. Foi mãe, artista, conselheira e confidente, uma tão incansável companheira de viagem que ao fim de uma hora já nos tinha animado a perspetiva dos bons momentos que, no local de destino, íamos passar ao seu lado. Teve o epíteto de uma grande dama e até alcunhas, mas com o direito a escolher os amigos a poderem tratá-la dessa maneira.

Conheci Edite aos vinte e dois anos na Faculdade, no calor de uma daquelas festas de formatura de final de ano, cujo esplendor não reside propriamente no facto de todas as raparigas irem vestidas com roupa pesada de inverno, como se persistissem a chuva e vento forte que marcam presença naquela estação. Vinha de cabelo enrolado numa trança, à luz da qual nenhum outro penteado era perfeito. Trazia a boca rasgada por um sorriso e os olhos brilhavam, quais esferas suspensas no centro de uma galáxia iluminada por dois sóis. Num vestido de corte justo, o peito era saliente e logo acima das ancas, enrolara ao corpo uma tarja de veludo, que tanto ajudava a definir a cintura, como o gosto refinado da pessoa que a usava.

Acabara de saber que era namorada de um colega meu conhecido, a respeito de quem nunca me preocupei em saber por que motivo ia às aulas sempre tão bem vestido e perfumado. Chegaram abraçados. Vi-o estender-lhe um cigarro e depois, de mãos nos bolsos à procura de um isqueiro, de braços estendidos como se estivesse conformado de, em público, não poder abraçá-la da maneira apaixonada como gostaria.

De seguida, foram juntar-se a outros convivas, numa roda de amigos sisudos, de fato cinzento, em que ela a única que ria e pulava, irradiando simpatia pelos poros da pele, de onde brotava um aroma do perfume que misturado ao suor redobrava de efeito de efeito sedutor.

Não sei que música estava um pequeno conjunto de baile a tocar, mas foram ambos dançar e, à medida que os minutos passaram, ela derramou na sala a vertente terna do seu carater. No final, brindou o namorado com um beijo na face e eu fiquei ancorado na ideia de que não há forma mais bonita de o amor se manifestar, do que através de uma dança sensual em que, sem saírem do lugar, dois corpos se agitavam num mar de emoções.

Não a vi, desde então, senão uma dúzia de vezes na televisão, desde que assumiu funções interinas como secretária de Estado de um Governo de coligação, de cujas medidas polémicas que aprovou, não guardo tão boas memórias como de quando, no auge da festa e vendo-se sozinha, a vi vir pedir-me ajuda para socorrer o namorado que jazia, bêbedo que nem um cacho, no chão da pista de dança, atrapalhando pessoas alegres como ela que ali estavam para divertir-se.

Vi nas parangonas dos jornais desta manhã, que foi eleita para presidir a um organismo da União Europeia que se dedica a combater a pobreza e a exclusão social. Fiquei feliz, mas preferia que a tivessem nomeado para a administração de um banco público. Não que o cargo fosse mais importante, mas, se além dos traços físicos que revi na fotografia, mantinha o espírito alegre da época em que a conheci, então era no meio de homens sisudos que mais evidenciava as marcas da sua personalidade e quanto mais cinzentões melhor.