Adultério, de Paulo Coelho – A depressão

Não há nada mais fácil do que nos apaixonarmos por um livro, já leio há mais de vinte anos, e todos os livros que me passaram pelas mãos passaram também pelo meu coração. Não sei se acontece com os leitores o que acontece comigo, mas quando folheio as paginas de um livro fico sempre com a sensação que a escolha não foi aleatória, cada frase e palavra foram escritas para mim, não é por acaso que leio um livro e outro em determinadas alturas da minha vida.

Depois da leitura obrigatória do livro Os filhos da droga, com o testemunho real e cruel da autora Christiane F, resolvi aos quinze anos comprar a minha primeira grande paixão: Verónica decide morrer, de Paulo Coelho (ainda hoje o tenho na estante dos livros), um livro arrebatador e que me encheu o coração, obviamente que fiquei fá de Paulo Coelho, sim, é o meu escritor de eleição. Depois do primeiro amor, seguiram-se tantos outros livros deste autor mundialmente reconhecido e um dos mais lidos em todo o mundo.

Em 2014, Paulo Coelho lança Adultério, um livro com uma protagonista, semelhante ao livro Onze minutos (que também já li), que me despertou total curiosidade, porque conhecendo o tipo de escrita mística que Paulo Coelho tem, como teria conseguido ele encaixar numa historia de adultério, esse tipo de escrita.

Comprei, li as primeiras 28 paginas e parei, encostei o livro. Querem saber porquê? Os leitores que leram este livro certamente já saberão o porquê. A protagonista, nos primeiros cinco minutos em que revê o ex-namorado de escola faz-lhe sexo oral no gabinete do escritório dele. E se para alguns leitores isto seria o mote para dar continuidade à leitura, para mim não. Achei descabido tal situação, qual seria a mulher casada que num primeiro encontro, não premeditado, faz um bóbó ao amante, assim num impulso sexual? Mas isso foi o que eu pensava há um ano atrás, e num ano leitores, muita coisa boa e má acontece nas nossas vidas e mudamos de opinião. Este Verão voltei a pegar no livro, e sabem o que senti? Que estava redondamente enganada, a cada pagina, a cada paragrafo, percebo que não é apenas um livro sobre uma traição, é principalmente um desabafo honesto sobre a tarefa árdua de ser mulher.

A nossa ambição enquanto pessoas é ter uma família, saúde, um emprego estável, uma casa confortável e um carrito à porta de casa se possível, achamos nós que estarmos em aguas rasas ou em areias firmes, que é o suficiente para estarmos bem e consequentemente felizes, até que, como a protagonista relata, vemos um filme, contam nos uma historia, lemos um livro, conhecemos alguém e percebemos que o estar bem não é o suficiente, que nos falta algo, e esse algo é tão inexplicável, tendo em conta a vida boa que temos, que começa o desespero para contrariar esse estado depressivo.

(…) algumas pessoas passam anos a deixar a pressão crescer dentro delas (…) e um belo dia um disparate qualquer faz com que percam a cabeça (…) Algumas matam-se. Outras divorciam-se. Há aquelas que vão para as regiões pobres de África tentar salvar o mundo. Mas eu conheço-me (…) a minha única reacção será sufocar o que sinto.

O processo de auto-controlo é das tarefas mais difíceis de exercer. Um psiquiatra pode ajudar, uns comprimidos que ajudem a dormir também, umas ganzas e umas bebedeiras talvez, os livros de auto-ajuda são imprescindíveis para quem acredita neles, mas a bomba está sempre lá. O bicho bipolar ora adormecido ora acordado, teima em aparecer, não passar a linha imaginaria da sanidade é a regra a cumprir. Como não pensar em absolutamente nada é impossível, a linha ténue torna-se mais consistente a cada dia que passa. Somos constantemente bombardeados por vidas felizes, aventureiras, sem rotina alguma, com amor e sexo que sobra para dar e vender, basta abrirmos o facebook para constatarmos isso, e nós olhamos para o lado e temos o mesmo de sempre. E sabem de uma coisa? Não há problema algum com o mesmo de sempre, o problema está unicamente na nossa cabeça e na forma como vemos e conduzimos a nossa vida.

As pessoas não são sinceras, ponto. Ninguém conversa honestamente sobre assuntos como a fidelidade, o casamento, o sexo, a velhice, a solidão e a depressão, porque ninguém tem a coragem de dizer a verdade. Somos todos fieis, felizes, fodemos todos os dias, e todos os dias fazemos coisas diferentes, não temos medo da velhice nem de morrer, e depressão? Oh pá, sou tão forte, tão feliz, que nunca senti nada disso. Somos todos uns mentirosos, uns valentes mentirosos, a querer mostrar a ficção das nossas vidas. Em trinta anos da minha existência, só falei com três pessoas abertamente sobre estes assuntos, todas mulheres, todas em etapas diferentes da vida, e sabem a que conclusão cheguei? Somos todos iguais, o motivo porque chorei ontem é o motivo pelo qual a minha amiga vai chorar hoje. E se hoje ela sente-se infeliz, amanhá ela vai-se sentir a mulher mais feliz do mundo. Sabem que palavra ouvi depois dos desabafos? Sabem que palavra eu soletrei depois de abrir a alma? Obrigada! Porque somos humanos, rimos, choramos, erramos e pensamos demais…exercer uma auto-pressão sobre o que somos, o que ambicionamos ser e o que queremos transparecer para os outros é uma completa loucura.

Nem toda a gente tem de ser feliz o tempo todo. Aliás, ninguém no mundo consegue isso. É preciso aprender a lidar com a realidade da vida.

Continua