Ah e tal, a culpa é… – Mara Tomé

… do autista/deficiente mental/doente com alzheimer/psicótico/pessoa com distúrbio de personalidade (riscar o que não interessa).

Por tudo e por nada, agora se utiliza a (des)culpa do sofre de patologias relacionadas com a área mental ou neurológica. Exemplos? Os mais recentes: o fulano que se lembrou de entrar por um cinema adentro e disparar sobre quem via a estreia do filme “Batman”, o gajo que matou e castrou Carlos Castro, o atirador que matou todas aquelas crianças nos EUA – os mais mediáticos no momento.

O que têm em comum todos estes seres? De acordo com a defesa (perdoem-me mas não consigo ver onde possa haver “defesa” de seres assim), um era autista (olha, olha, dentro do espectro também cabe assassinato, uau, estamos no bom caminho, sim senhora!), o outro sofre de distrúrbios mentais (coitadinho, estou cheia de peninha, vou ali cortar os pulsos por simpatia, e já volto), o último sofre de distúrbio de personalidade e era autista (ena, ena!! Jackpot, 2 em 1!! Guess what: Fernando Pessoa também sofria de distúrbio de personalidade – percamos algumas horinhas a cultivar os cérebros e vejamos que o senhor nunca matou ninguém).


Ó pá, poupem-me e vão arranjar desculpinhas mal amanhadas para outro canto, está bem? Esta gente tem mesmo a noção do que é uma doença mental/neurológica/etc? Mesmo? Não tarda também vão inventar descobrir que o monstro que matou uma série de miúdos na Noruega também é doente mental, coitadinho, e vira o jogo. Deixamos de ter compaixão e de sentir a dor dos pais que perderam os filhos, de sentir o sofrimento das verdadeiras vítimas para sentir piedade pelo “doentinho”? Esta gente tem mesmo a noção do que diz? Poupem-me! Não podemos responsabilizar ninguém pelos seus atos. Vai na volta deve ser pecado ou crime federal.

Claro que quem pratica uma barbaridade das mencionadas acima não pode ter o Tico e Teco na perfeita das amizades mas daí até se usar o chavão “deficiente mental” como culpa sumária, desculpem, mas não dá. Uma patologia diagnosticada, medicada, medicamente assistida, com a pessoa devidamente acompanhada não vai dar em “bem, sou deficiente mental, vou ali pegar num semiautomática e despejar 4 ou 5 carregadores em crianças ou velhotes. Se forem crianças, melhor, porque é mais mediático. Bora lá” .

Não é um tema natalício, pois não; corro o risco de ser mal interpretada, pois corro (atenção, que eu não acho que uma pessoa que ande bem da cabeça acabe a descarregar semiautomáticas em escolas! Só não gosto nem concordo com a desculpabilização usando patologias sérias); posso soar a azeda, pois posso. Mas sei o que tenho em casa. E não sou nenhuma crente apocalíptica nem nenhuma possuída nem louca varrida sem diagnóstico. E as ditas pessoas” normais” que batem na mulher e nos filhos? E quando os matam? O autismo é tão inconstante e perigoso como a “normalidade”.

Andamos nós (famílias como a nossa!) a lutar contra a injustiça da discriminação, a sensibilizar pessoas para o que os nossos filhos têm, a tentar chegar até ao mundo fechado e inconstante dos nossos filhos, a pagar balúrdios por terapias e apoios, a dedicar a nossa vida pessoal/profissional/familiar aos nossos filhos e vêm estes senhores desculpabilizar estes monstros porque ah e tal são inimputáveis.

Não é um tema natalício, pois não; corro o risco de ser mal interpretada, pois corro; posso soar a azeda, pois posso. Mas não posso nunca deixar que se generalizem culpas de maneira tão grosseira.

Crónica de Mara Tomé
T2 para 4