As Madres Teresa de Calcutá: o bem justifica a cegueira?

O objectivo deste texto não é chegar à conclusão de que Agnes Gouxha Bajaxhiu, mais conhecida por Madre Teresa de Calcutá, era de facto um diabo disfarçado, nem tão pouco uma santa imaculada. Este texto tenta ir além da personagem, centra-se numa simples questão: será que o mito, as boas ações, devem imunizar a pessoa histórica duma pesquisa mais aprofundada?

Este caso é muito oportuno para se lançar o debate. Nele encontramos uma personagem que inspirou milhões com o seu espírito de missão e muita controvérsia póstuma sobre a sua acção.

De facto, a obra benemérita da missionária por vocação é inegável, podemos encontrá-la em mais de 517 missões espalhadas por mais de 100 países. O braço da organização que ela fundou, “Missionárias da caridade”, chegou aos mais pobres entre os pobres, àqueles a quem os próprios governos falhavam em chegar. A “Santa das sarjetas” dava o exemplo com a sua presença ao lado das mais variadas doenças e carências.

Mas ninguém nascido é imune à mácula, certa ou errada, verdadeira ou falsa, também ela as teve.

A ela foram apontados vários defeitos, alguns completamente defensáveis, mesmo sendo pecados, noutros nem tanto.

Se disserem que ela foi a face visível utilizada pelo Vaticano na luta contra o aborto, não é algo indefensável. Ela tinha a sua fé bem vincada, e portanto, é normal segui-la, anormal seria o contrário.

Se disserem que ela foi a face visível utilizada pelo Vaticano na luta contra o preservativo, não é algo indefensável. Mais uma vez, ela tinha a sua fé bem vincada, e portanto, é normal segui-la, anormal seria o contrário.

E se tornarem a dizer, que ela deu a face por ditadores sanguinários por forma a conseguir os seus fins. Ninguém consegue obra sem sujar um pouco as mãos, neste caso, os fins justificam, claramente, os meios.

No entanto, se disserem que ela só tratava os pacientes por forma a convencê-los a acreditar na palavra do seu senhor, convidando a uma prostituição divina por cuidados de saúde ou alimentares, aí, não existe defesa possível.

Se disserem que ela recusava cuidados de saúde a pacientes por forma a reconhecer no sofrimento alheio a proximidade com o Deus da sua devoção, já é mais que indefensável, é algo de sádico e nada condizente com a fama que ela tinha e ainda tem apesar do seu finado corpo.

Esta última parte, a parte que muitos estudiosos sobre a personagem alegam, é aquilo que a torna num belo exemplo para o debate sobre a questão primária que se apresenta neste texto.

Onde se traça a linha entre o mito e a realidade?

A confirmar-se tudo aquilo que foi escrito sobre Madre Teresa, a confirmar-se todo o seu impacto positivo por esse mundo fora, e neste caso é amplamente confirmado pela realidade, será que o conhecimento está dependente duma análise custo-benefício?

Será que o bem praticado imuniza alguma figura duma análise crítica e aprofundada da sua personalidade e feitos em vida? Como fazer essa contagem? Será somente matemática, mil vidas influenciadas positivamente, novecentas e noventa e nove negativamente dão um saldo positivo que beatifica o sujeito, ou será preciso um saldo ainda maior?

E como disse, não só esta análise se pode fazer para a figura já citada, outras houveram tão ou mais impactantes, com tão ou mais polémicas vidas. Casos como a amiga Princesa Diana e toda a sua acção humanitária, e toda a sua vida sombria fora dos flashs das câmaras, e figuras como Michael Jackson que inspiraram e inspiram milhões de pessoas a serem mais do que aquilo que estavam destinados a sê-lo sem estes exemplos.

No fundo, a questão resume-se a isto: para salvar um fértil mito, deve-se esconder uma infértil realidade?