Até que enfim, as férias acabaram!!!

Regressei de férias a precisar urgentemente de trabalhar. Cansado e a dever horas de sono à cama, por causa das noitadas e da boa vida que levava, desabituara-me, em poucos dias, de acordar tão cedo que praticamente me esquecera de que, quando era preciso levantar-me de madrugada e andar pelo quarto às escuras em bicos de pés para não acordar a minha mulher que pegava ao serviço mais tarde, me sentia cada vez mais com menos vontade de arregaçar as mangas e ir à luta, e ficar deitado ao lado dela como se tivesse sido atingido por um golpe certeiro no queixo, vindo sabe-se lá de onde, daqueles que nos atiram ao tapete e põem KO durante o número de horas suficiente para voltar a pegar no sono, pelo menos até ter que me levantar e levá-la de carro ao trabalho para ter a certeza de que, por ter ficado a fazer-me companhia, não chegava atrasada, nem ouvia raspanetes da patroa.

A culpa não é dela, mas devo admitir que ao cabo de duas semanas passadas num hotel com serviço de 1ª, situado na primeira linha da praia numa zona de veraneio do sul de Espanha, sentia a falta do burburinho da grande cidade; do escape dos carros na grande metrópole; dos passeios a pé, não dos tranquilos mas a olhar para o relógio, feitos entre estações do metropolitano ou de uma paragem de autocarro para a outra; e de acordar à noite estafado com a sensação de não me lembrar do dia, sem tirar as devidas ilações dos erros que pudesse ter cometido a fim de evitar repeti-los futuramente.

Tinha saudades de, a horas impróprias, escutar o choro do bebé da minha vizinha de cima, que afinal talvez só desejasse ser ouvido pelo pai tão bem como era por mim; de estar parado de olhos fechados numa fila de trânsito que vai avançando à medida que, em pensamentos, me liberto e vou afastando cada vez mais do lugar para onde vou; da comida requentada que levo numa marmita para o trabalho e como sentado na secretária enquanto escuto o som do rádio, para não pagar o preço de uma refeição que me faria, quando começasse a fazer contas ao dinheiro que andava a gastar em alimentação, perder não só o sono mas igualmente o apetite.

Um ano antes, ainda pensávamos seriamente em fazer um cruzeiro que nos resgatasse do medo com que ficámos ao mar. Passo a explicar: numa ocasião, apanháramos tamanho susto numa travessia de barco às Berlengas que de Peniche, desde então, temos preferido manter-nos a uma distância de salvaguarda que nos proteja de qualquer surpresa vinda daquele mar traiçoeiro.

Porém, como gostávamos muito de ficar à beira-mar, desde logo afastámos a possibilidade de embarcarmos numa aventura terrestre, e seguindo o conselho de uma prima direita do meu sogro que trabalhava numa agência de viagens especializada em destinos de praia, aceitámos o repto e fomos até à Costa vicentina dos espanhóis que era a sul banhada pelo mar Mediterrâneo. Com ela, apesar de estarmos longe e de eu somente visitá-la na altura de escolhermos para onde queríamos ir, mantinha eu uma relação bem melhor do que com ele, já que quando eu o pai da minha mulher nos víamos, era para falar , não de destinos de sonho, mas da dificuldade que ele continuava a ter em entender por que razão a filha, com tantos rapazes na altura a pretenderem-na, me escolhera a mim para seu genro.

Quase por acaso fomos parar a Benidorm, um lugar rico em turismo na chamada Costa Blanca, em plena Comunidade Autónoma Valenciana, ao cabo de mais de 18 horas refém de uma camioneta que para aumentar exponencialmente o meu sofrimento não possuía ar condicionado, nem qualquer janela por onde o ar que entrasse não fosse o do deserto de um país do norte de África que não mostrámos, quando folheámos os catálogos em casa, qualquer interesse em visitar.

À beira do hotel havia uma sombra onde a camioneta estacionou e pudemos retirar as nossas malas. Ficámos imediatamente impressionados com altura do edifício, assim como com a entrada do mesmo que, mal passámos uma porta giratória, nos catapultou para um mundo mágico, como se nele tudo o que víssemos, de tão belo, não pudesse existir e nem aquilo em que pudéssemos tocar com a ponta dos dedos fosse real.

No teto, que não era muito alto, dava nas vistas um lustre que mesmo de dia estava aceso e brilhava com a intensidade do sol a partir do ponto mais distante do universo. Na parede em frente, entre dois elevadores estava um jarrão chinês que continha flores frescas acabadas de apanhar num campo onde era primavera todo o ano, e logo por cima havia uma pintura de uma cena de caça à raposa que devia ser noutro lugar porque era inconcebível que naquele cenário tão belo houvesse animais selvagens.

Mais para dentro, um balcão comprido separava a área social, da zona de serviço onde se encontravam os funcionários do hotel. Ao par que estava na receção, um homem e uma mulher, juntavam-se outros dois rapazes que estavam de prontidão para o transporte da bagagem aos hóspedes que o solicitassem. De farda elegante que os fazia parecer dez anos mais velhos, aos meus olhos não passavam de dois rapazolas pela maneira como olhavam as miúdas que passavam semidespidas, e que àquela hora certamente prefeririam estar na praia a untar de creme as costas a alguma estrangeira que, se deixassem a barba crescer e com alguma lábia, talvez conseguissem levar à certa.

Ao fundo, emparedado entre dois sofás, sobre um suporte que o ligava a uma coluna de mármore, como um pescoço, o busto de um compositor germânico do período clássico, que facilmente identifiquei, testemunhava um ambiente em tudo diferente ao do tempo em que nasceu e cresceu na Alemanha, pois em contraste com a severidade daquela época em que os homens vestiam casaca e as mulheres, mal se atrevendo a mostrar-lhes a pontinha do decote, usavam espartilho e arrastavam vestidos compridos pelos salões de baile para impressiona-los, era raro ver agora algum que se interessasse verdadeiramente por uma que, além do que era permitido naquele tempo exibir, não tivesse muito mais e melhor para mostrar.

Por fim, a cobrir o chão daquela zona havia um tapete que à volta tinha um entrançado curioso, ocupando o espaço de um homem estendido com as pernas e os braços abertos como se fosse uma ave pronta a voar, ao passo que na parede estava um lindo quadro a óleo que representava de uma forma inesperada, a começar pela luminosidade das formas, uma cena do desembarque de Colombo nas Américas com os indígenas a prestarem-lhe homenagem como se ele fosse o rei de Castela e com o mesmo a sorrir como se o império dos espanhóis daquela época, que seria o seu, fosse superior ao português que era já conhecido.

Passámos direito à receção onde se achava um casal de portugueses que, dando pela nossa presença, olhou para nós desconfiado com a maneira como eu apreciava a vestimenta da mulher.

Era baixa e envergava uma daquelas túnicas de 79,90 euros da loja do urso pardo que eu andava a namorar desde a primavera, e sandalete marron da Seaside de salto com falsos brilhantes incrustados que começavam a cair logo às primeiras semanas de uso, sem que a maior parte das amigas dela desse por estar a usar um par novo que causaria tanto furor como desilusão no final ao saberem que os brilhantes tinham menos valor do que as pedrinhas da rua que estavam agarradas à sola de plástico.

Como o nosso quarto era no andar de cima, fomos pelas escadas a pé, uma vez que dispensava entrar num caixa suspensa por cabos que podiam a qualquer momento desprender-se e deixá-la cair de uma altura, à qual, se fosse obrigado subir sem ajuda, chegaria extenuado nem que fosse no andar logo a seguir ao nosso.

A partir da tarde do primeiro dia, passámos a frequentar a piscina de águas calmas, como as de um lago, que ficava nas traseiras do hotel, mas de frente para a varanda do nosso quarto, onde um homem alto empoleirado nas costas de outro facilmente chegaria se quisesse vir à noite roubar-nos os pertences, enquanto dormíamos, ou simplesmente aceder a um lugar de onde pudesse desfrutar, sobre a zona do solário, de melhor vista do que aquela que obtinha a partir dos seus aposentos, para apreciar ao natural as estrangeiras que gostavam de se expor na toalha, de peito ao léu, a fazer topless.

À noite, passámos a deitar-nos cada vez mais tarde. A seguir ao jantar, entretínhamo-nos a subir e a descer as mesmas ruas, comprando bugigangas sem qualquer utilidade que não fosse dar um pretexto para entrar e sair das lojas que eram iguais àquelas de que, por falta de tempo, ficávamos à porta a espreitar, como se namorássemos alguma coisa que tivéssemos visto ou procurássemos artigos inexistentes provenientes de outras paragens e estivessem à venda longe dali.

Um dia, ficámos na praia até mais tarde e assistimos ao nascimento do sol a partir dos primeiros raios que conseguimos vislumbrar aquém da linha do horizonte. No céu, cruzavam-se as cores que haviam de alegrar o dia, enquanto outros casais, beijando-se como nós, davam largas ao amor que era para ficar mesmo depois de o sol se pôr.

Aproveitei cada minuto e cada segundo de lazer mas só dos primeiros dias.

Depois comecei a cansar-me e, com vontade crescente de regressar ao meu país, passei a desejar que as lojas fechassem todas ao meio-dia e que nunca, quando o sol nascesse, qualquer fenómeno natural se revelasse para que não pudesse a minha mulher invocá-lo ao alegar que das outras quatro ou cinco vezes em que lá fôramos, não assistíramos à pasmaceira de sempre.

Regressámos a casa carregados com tantos embrulhos que precisámos de comprar uma mala extra para transportá-los, e como viajámos praticamente de noite poder-se-ia pensar que pouco ou nada descansei por causa das dores nas costas de não ter onde enfiar as pernas compridas que nestas ocasiões pareciam esticar. Porém, devo ter adormecido ainda antes de ter entrado em território nacional, visto não ter dado conta do sol nascer uma hora mais tarde do que em Espanha por causa da diferença horária entre os dois países.

“Ainda bem”, pensei, com Lisboa no horizonte à entrada do tabuleiro da ponte sobre a travessia do Tejo pelo lado de quem segue de Almada. “Ainda bem”, porque se não tivesse passado pelas brasas antes talvez me tivesse dado o sono naquela altura e, não resistindo ao cansaço acumulado, acabasse por perder aquela imagem, que era a melhor parte da viagem, ou seja, quando, com a cidade a meus pés, embasbacado a olhar como se fosse para uma daquelas mulheres na piscina deitadas ao sol, eu perdesse o norte e ficasse sem saber de que lado é que ele vinha.