BBC: Política Selvagem – Viriato Queiroga

Caros Leitores,

Um dia, numa das minhas muitas viagens de autocarro para a universidade, alguém decidiu perguntar-me “o que fazia da vida” (uma das grandes perguntas realizadas durante uma nada constrangedora situação social proporcionada pelos transportes públicas antes de estes… Vocês sabem… Serem caros demais para um ser humano normal viajar neles), ao que eu respondi ser um estudante de Ciência Política. Sucede que esta pessoa (além dessa fantástica pergunta que qualquer estudante desta área tem que enfrentar, pelo menos, 5000 vezes ao longo dos seus 3 anos curso: “Então… Também vais ser ladrão?” que, como se sabe, é de um fantástico e, de maneira nenhuma preconceituoso, acerto) me pediu para lhe descrever o que era a política.

Ora, querendo eu expressar o meu fascínio pela minha área de estudos, tenho apenas uma forma de o fazer sobre a forma do seguinte relato:

É nos montes e planícies de um local lisboeta, apelidado de S. Bento, que habita uma das mais extraordinárias espécies animais jamais observadas. Espécie esquiva porém, simultânea e estranhamente destacada, o Homo Politicus ocupa-se dos seus afazeres, como o vem fazendo há milhares de anos. Esta espécie tem vindo a ser ameaçada pelo contexto em que habita: alta tensão social humana, extrema violência económico-financeira, fantástica envolvência na internet, pelo que merece a devida atenção dos investigadores. Iremos realizar uma pequena viagem, aqui, em Lisboa, acompanhando esta fantástica e (ainda) desconhecida espécie. Acompanharemos o seu ciclo de vida, a sua envolvência social com os restantes seres humanos, os seus grupos sociais e, por fim, qual a sua importância para o ecossistema. Isto é o…

 

BBC: POLÍTICA SELVAGEM – S. Bento

(esta é a parte em que o leitor ouve o famoso genérico criado pela BBC, o qual não encontrei, portanto, peço ao leitor que oiça o seguinte: http://www.youtube.com/watch?v=cBTo8alNERw)

 

O Homo Politicus é uma espécie que, ao contrário da crença instalada, é mais comum do que tem vindo a ser preconizado: existem nos quatro cantos do mundo, existem em todas as cidades, todas as freguesias, todas as casas (e, sim, caro leitor, até mesmo um pouco dentro de si mesmo). Bate a campainha, inicia-se mais um dia normal na savana de S. Bento. É neste pequeno local que se concentram muitos dos espécimes comummente apresentados nas notícias: os deputados. São uma subespécie deveras interessante, sentando-se em círculo, em torno de um Presidente de Assembleia (rodeado de secretários), lá colocado através de uma votação. Os restantes cumprem funções de discussão, interagindo uns com os outros, falando, gritando, consultando o Facebook, gozando… Em suma, tudo o que um qualquer trabalhador português (e europeu) faz nas suas horas de expediente.

É interessante observar o comportamento de cada individuo: eles parecem organizar-se de acordo com grupos sociais específicos de acordo com opiniões previamente estabelecidas, lutando por objectivos comuns. Aqui, na rua de S. Bento, são 5 grupos e meio, da esquerda para a direita (CDU (PCP+PEV), BE, PS, PSD e CDS-PP), uma vez mais, o tamanho dos mesmos parece ser definido pelos cidadãos estatais, pelas suas votações, conferindo força e poder aos seus membros. Mas, mais do que força, concedem poder de palavra. “É a falar que a gente se entende”… Ou quase, pois estes grupos sociais, apesar de geneticamente muito próximos, parecem não ser muito hábeis no que a comunicação diz respeito, dado comportarem-se como predadores brincalhões, ora vejamos: PSD e CDS, tendo conseguido uma posição de maioria, confluem em termos opinativos, protegendo-se mutuamente, e aos seus congéneres do governo (outra subespécie), mas… Parecendo, em determinadas alturas, estar separada em dois grupos diferentes, com um único e comum mote: Resolução da Crise Financeira (os investigadores autores deste documentário não foram capazes de investigar estas misteriosas palavras). PS, sentindo a iminente punição dos anteriores dois, aguarda a sua hipótese, como chita contra a gazela, lançando críticas, aqui e ali, mantendo o mote dos anteriores, mas tentando manter um discurso um tanto mais amenizado (embora de dúbia resolução, segundo essa espécie que é a económica). BE e CDU aparecem em conflito com estas duas outras facções, apelando aos votantes confiança e acalentando a esperança numa qualquer revolução da ditadura do operariado (sabe-se que estas nada tem em comum com as ditaduras de direita).

Não podemos, meus caros, confundir os membros dos maiores partidos com os governos. Estes são constituídos, de 4 em 4 anos por membros destes grupos sociais. Habita, usualmente, no Palacete de S. Bento, onde se reúnem todos os membros, tomando decisões importantes, as quais tem de ser revistas pela AR. Todos eles pertencem, actualmente, ao PSD e ao CDS, e constituem os mais importantes actores na savana política portuguesa, impondo, em qualquer altura, a sua vontade, sobre matérias diversas. Porém, o rei da selva, o actor com maior palavra por ser órgão único nas particularidades políticas habita um pouco mais a Oeste, observando, do alto do seu Palácio, os restantes: trata-se do Presidente da República, um ser com muito poder, capaz de influenciar acordos entre os vários partidos, como se viu nas últimas reuniões entre PS, PSD e CDS! (Claro que nem sempre essas influências são positivas).

Eleitos durante um período de tempo de 4 anos (ou de 5, no caso do Presidente), o Homo Políticus comporta-se de maneira extremamente racional: mobiliza recursos, discute, consulta o Facebook, argumenta, luta, governa, alimenta-se, interage com os restantes cidadãos, procria, persegue os seus fins, em suma, intenta a sua sobrevivência pois… É quando se aproximam as eleições que enfrentam as suas maiores batalhas: o status que almejam ao longo dos anos anteriores parece perder sentido no meio das circunstâncias, à luz das novas definições. Subitamente o seu contacto com os restantes seres humanos adquire uma nova importância e a batalha, outrora circunscrita à arena de S. Bento (e das televisões), desfila pela rua, como que guerreiros romanos demonstrando o seu poder em pés, armas e cicatrizes de batalha.

As recompensas são grandes, o mundo está a seus pés, e, no entanto… É aqui que percebem e reside a sua humildade: vis à vis o seu confronto com o gigante adormecido presente no imediato social que os transcende a todos os instantes, mas que entendem ser o objectivo maior das suas perpetuações de tecido cicatrizante, teimando este último em não acordar.

 

“A diferença, caro espectador, está na forma como estes objectivos (ou, se preferir) bens maiores, são encarados.” Penso eu, enquanto me encaminho para casa, deixando a pessoa extremamente chateada por eu não lhe ter respondido após o seu simpático pedido.

 

Desejo-lhe uma boa semana.

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Constrangimentos Opinativos