Carta Aberta ao Círculo De Leitores – Carla Vieira

Excelentíssimos Senhores encarregues da revista Círculo de Leitores,

Na passada Terça-feira, dia 03 de Dezembro de 2013, estava eu no meu local de trabalho quando um dos vossos colaboradores me perguntou se me podia importunar durante algum tempo. Okay, não foram essas as palavras que ele usou, mas seriam as palavras mais correctas, porque na verdade não foi nada mais do que importunar-me durante alguns – muito desconfortáveis – minutos.

Começou por me perguntar se eu conhecia a vossa revista, ao qual eu respondi que não. Por acaso bem que devia ter respondido que sim, porque conheço, mas não é algo que me interesse e depois desta experiência interessa-me ainda menos, se tal é possível. Passando esta delicadeza à parte, a pergunta seguinte do vosso colaborador foi “não gosta de ler?” com aquele tom snobe que não fica bem a ninguém, muito menos a quem me está a tentar vender alguma coisa. Meus caros, eu gosto muito de ler, mas a que propósito é que a vossa empresa contrata pessoas que acham que quem não lê é membro da plebe? Porque eu digo-vos uma coisa, eu sou do tempo em que os livros se vendiam a dois mil escudos e agora não há um livro por menos de vinte euros nas vossas prateleiras. Não me tentem enganar, nem me passem por deficiente, eu ainda sei converter as moedas. Se eu não leio tanto quanto lia, a culpa é exclusivamente de quem acha que livro bom se vende a trinta euros ou mais nesta economia, sendo que nem um quarto disso vai para o autor. Por favor, sim? Sejamos adultos.

Não obstante o tom desnecessário e a falta de respeito que é eu estar no meu emprego e ter de levar com pessoas assim (sendo que eu estou numa recepção e não sei se sabem, tenho de estar disponível para os clientes, não estar no bê-á-bá com este tipo de indivíduos), continuei a dar atenção ao senhor, que falava com a sua calma e me mostrou uma revista com um catálogo de livros “em desconto”. Não sei que descontos eram porque os preços originais eram à volta de vinte e cinco euros, mas duvido que fossem mais de dez porcento, e essas contas são muito fáceis de fazer. No entanto não foi isso que me incomodou, preços há muitos.

O que me incomodou foi a atitude do vosso colaborador a falar comigo. Eu sei que estava a tentar vender mas garanto-vos que a única coisa que me vendeu foi uma vontade esplêndida de ser tão mal-educada para ele quanto ele estava a ser. Não sei se é por ser um senhor já antigo ou se lhe passaram à frente algumas aulas de formação mas quando eu (e todas as pessoas do mundo) digo que não estou interessada em nada, é porque não estou interessada. Não é não é não é não! Não não é sim, nunca foi nem vai passar a ser só porque deu na tola de alguém insistir. Pelo amor de deus! Não estou interessada nos livros da senhora Steel que até pode ser boa pessoa mas não escreve coisas que me atraem, não QUERO livros de cozinha (e expliquem-me o porquê dele me ter apontado esses livros? É porque sou mulher? Haja caixinhas onde meter as pessoas, mulher que é mulher tem de gostar de cozinhar) nem quero um livro sobre escapadelas românticas pela europa. Foda-se! Chega a ser insultuoso o quanto este vosso colaborador de bigode branco me tentou enfiar na caixinha dele para as mulheres. Eu, a Carla (olá) não sou uma barbie que possam moldar ao vosso contentamento. Se é assim que vocês se gerem, boa sorte. Garanto-vos, nos dias de hoje essa mentalidade não tem lugar na sociedade. Quando falamos de livros, não falamos de géneros. Mudem.

O bónus desta experiência foi a gema de ele me perguntar qual o tipo de livros que me interessam, e depois de eu ter dito que eram livros juvenis, o senhor me ter apontado para uma versão qualquer da Anita no Jardim. Pagam-lhe aos insultos ou ainda ninguém vos apontou que Harry Potter e a Anita não estão no mesmo nível?

Do fundo do meu coração (que é bastante grande) desejo-vos toda a sorte do mundo na vossa aventura, mas sugiro-vos que não façam como a Anita. Saiam do jardim, vão ver o mundo como ele é, contratem novas pessoas, pessoas menos arrogantes cuja técnica para vender não seja estereotipar e insultar os potenciais clientes.

Com todo o respeito,

Crónica de Carla Vieira
Foco de Lente