Crítica Literária: Uma Morte Súbita – Carla Vieira

“Pagford é uma idílica cidade inglesa, com uma praça principal em pedra de calçada e uma antiga abadia. No entanto, este belo cenário não passa de uma aparência que esconde uma cidade em guerra. Os ricos em guerra com os pobres, os adolescentes em guerra com os pais, as mulheres em guerra com os maridos, os professores em guerra com os seus alunos… Pagford não é o que parece à primeira vista. A história começa quando Barry Fairbrother, membro da Assembleia Comunitária, morre aos quarenta e poucos anos. Pagford entra em estado de choque e o lugar que ficou vazio torna-se o catalisador da guerra mais complexa que alguma vez ali se viveu. No final, quem sairá vencedor desta luta travada com tanto ardor, duplicidade e revelações inesperadas? É a partir de um enredo intricado que J. K. Rowling cria um universo ficcional minucioso e consistente, a que não falta um toque de noir, caracterizando as personagens e respectivos estratos sociais com uma grande sensibilidade e a lucidez de quem sabe observar a partir de múltiplos pontos de vista.”

Introdução

Quem conhece a J. K. Rowling já leu pelo menos um livro da autoria dela, supostamente o Harry Potter. Uma Morte Súbita (A Casual Vacancy) não é de todo como estes livros, que começaram como livros para crianças e tornaram-se obras de arte universais e referências para todas as faixas etárias. Este livro explora conteúdos para adultos e não é de todo apropriado para pessoas mais jovens.

À primeira vista, é um livro como tantos outros. A capa diz muito pouco, com um “x” assinalado em forma de boletim de voto. Talvez tenha sido por isso que eu comprei o livro preparada para não perceber metade do que se iria passar. Por todos os artigos que vi, o livro era aclamado como uma história sobre (à falta de outras palavras) política. Torna-se no entanto claramente evidente que embora a parte política do livro seja de máxima importância, na verdade a história é muito mais maleável do que isso.

Começa com a morte de Barry Fairbrother. Parece estranho que uma morte seja o suficiente para pôr uma cidade inteira a mexer, mas na verdade é exactamente isso que acontece. Barry morre de um aneurisma, e rapidamente o fogo da notícia se espalha pelas figuras principais deste livro.

A história conta com a participação da família de Barry, o seu melhor amigo (que é vice-reitor de uma escola) e a respectiva família, uma enfermeira que trabalha no hospital de Pagford e a sua respectiva família, a administradora do site da Assembleia Comunitária e o marido, mais o filho e a sua mulher, a médica de uma clínica e a sua respectiva família, e ainda uma aluna da escola de Pagford, a mãe e irmão, e a sua assistente social temporária (mais o namorado e a filha). Todas estas pessoas são mecanismos cruciais no relógio que compõe o passo desta comunidade.

Estilo Literário

Eu cometi o gravíssimo erro de começar a ler o livro depois de ler o Harry Potter, e verdade seja dita, foi muito difícil adaptar-me não só ao estilo de escrita mas também ao vasto leque de personagens apresentadas e às quais preciso de prestar atenção. O estilo literário é a meu ver, um bocadinho mais básico do que o estilo apresentado nos seus outros livros, mas é algo recorrente nos livros para adultos, e portanto, não se pode considerar uma falha. Por outro lado, a constante mudança entre personagens cria um foco diferente, e tal como uma abelha, voamos de flor em flor, apanhando o pólen da pequena cidadezinha de Pagford como de um jardim se tratasse. Para quem está habituado a seis ou sete personagens principais, ter vinte delas no colo parece algo grandioso. São adultos, crianças, adolescentes, são pessoas ricas e pobres, pessoas boas e más, todas elas com nomes que temos quase de “decorar” para que as páginas de texto façam algum sentido. Admito que não estava preparada, e durante os primeiros dias tive de voltar páginas atrás para perceber qual personagem tinha o palco para si.

As descrições também são diferentes do que aquilo que esperamos da autora (sendo mais desfocadas e de menor importância), algo que neste caso agradeço, dado que a informação está toda assente nos pontos de vista das pessoas, e estas têm mais que fazer do que descrever os seus próprios pertences.

Algo que não me cai muito bem é o uso da narração impessoal pontuada pela narração na primeira pessoa para discernir pensamentos. Foi algo que me apanhou de surpresa e não me consegui habituar a esse formato por muito que lesse o livro. Já li um livro assim e tenho a dizer que a dificuldade não é nova. Acho que há sempre espaço para separações e quando estas não existem, o livro deve ser ajustado.

Também tenho que fazer o reparo de que – como manda a tradição Portuguesa – o livro não acaba com um final de fitinha vermelha e laço feito presente. Ao invés, tem um final semiaberto (um tipo do qual eu não sou fã) e deixa algumas perguntas por responder. É a meu ver uma falha, porque gosto de finais que me digam que sim, correu bem ou mal e ponto final. Mas como este livro faz uma mímica roçada á perfeição do que é a vida humana em comunidade, realmente esperar um final fechado é estupidez da parte do leitor. Mea culpa.

Pontos Centrais

O livro começa com a morte de Barry Fairbrother, o espalhar das notícias ao vento, e o seu funeral. Desde já achamos que conseguimos distinguir entre os personagens “bons” e os “maus”, devido ao enfâse dado à maneira como a notícia é passada de boca em boca. Afinal de contas, isto é um livro. Tem claramente de haver um vilão (ou dois) e heróis que vão resolver tudo. Achava eu…

Este deve ter sido o primeiro livro que li que não só tem como plano de fundo coisas tão intricadas como a própria natureza humana mas também nos mostra a vida nua e crua de pessoas tão diferentes entre si que é excepcional alguém pensar em vilões e heróis ao virar estas páginas.

Uma das interpretações que se pode fazer com o livro é a falta que fazem as boas pessoas ao mundo. Barry é descrito como sendo alguém que não pára de trabalhar para que boas coisas aconteçam às pessoas que lhe são chegadas, e à comunidade em geral. Com a sua morte, não tarda a que o seu lugar seja motivo de disputa entre os homens de Pagford, as suas candidaturas são motivo de discussões com as mulheres e filhos, e por aí tudo fica entrelaçado numa teia de problemas, até o culminar da história (que ironicamente, acaba da mesma maneira que começa).

É um livro por si interessante. Com a autora estabelecida, é normal pensarmos que vamos receber algo diferente e inovador, mas pelo menos para mim este livro mostrou uma faceta da autora que eu não conhecia mas gostei de descobrir. Um livro quase perfeito, com falhas que a mim me dizem muito mas a vocês pode dizer pouco, por isso aconselho a ler, mesmo que não sejam fãs da magnífica saga que lhe deu a saber a fama.

Crónica de Carla Vieira
Foco de Lente