Crónica segundo Lázaro

Lázaro engoliu em seco a resposta de Jesus à sua pretensão. Podia acompanhar O amigo no trajeto final entre Betânia e Jerusalém ou quando da companhia de um verdadeiro amigo Ele achasse que estava a precisar, porém, nada de cruzarem juntos a porta velha da cidade santa, por onde fugiriam alguns dos homens que se diziam Seus amigos caso sonhassem o que estava para acontecer.

A Lázaro, não assustavam as distâncias. Não temia que as viagens fossem penosas, que pudessem ser longas e cansativas, sujeitas pelo meio a percalços que, aos homens de pouca fé, com medo do que pudesse acontecer, faria dar meia volta nos sapatos e regressar mais cedo a casa, desistindo do intento de chegar ao seu destino. O que o incomodava verdadeiramente, era chamarem a Jesus e aos seus seguidores, bando de hereges. Para si, O nazareno era um homem bom, que pregava a bondade como o princípio fundamental de uma doutrina que chegou viva aos nossos dias, e que Ele só não inventara porque antes de Si, pelo menos Maria, Sua mãe, já experimentara um modo de vida baseado no exemplo de amor ao próximo.

Aproximava-se o tempo quente, mas nessa noite soprou uma rajada de vento que abalou os alicerces da casa. Pela manhã, Lázaro estava ansioso por ver o estrago causado na vinha mas surpreendeu-se por ver que não tinha sido afetada. Havia um pequeno pomar entre a casa onde Lázaro habitava com as irmãs e um terreno com cerca de um hectare onde os antepassados haviam plantado os primeiros pés de uma casta que deu origem a um vinho, cujo sabor ele gostaria de ter encontrado em todos os que provara anteriormente. Era suave e doce, tão bom como a seleção da melhor casta de uvas da vinha, que ansiavam ser colhidas para lhes elogiarem o sabor.

Ao ver que tudo estava como deixara na noite anterior, afastou-se sozinho e sentou-se a meditar na grandiosidade de todas as coisas postas por Deus à sua disposição. Era certo que a esposa morrera jovem de uma febre que matava as pessoas em menos de vinte e quatro horas, e com ela a esperança de continuar a desfrutar de uma existência na companhia do ser vivo que, à face da Terra, mais se assemelhava à presença de um anjo. Contudo, isso não o impedia de pensar que por algum motivo Deus o havia poupado às consequências do desespero face ao qual ele duvidava ter forças para conseguir resistir. Por continuar a amá-la, lembrava-se de muitas vezes em vida de compara-la em bondade ao anjo que haveria de vir anunciar-lhe que estava grávida. Era loura, mas ao invés de cabelos, tinha a saírem-lhe da cabeça onde fixavam a raiz, fios de ovos como os que se vangloriaria de ter feito um chef de cozinha da atualidade na preparação de uma sobremesa gourmet.

Jesus, de quem era amigo desde a infância, adivinhou-lhe o pensamento e convidou-o a entoarem juntos um salmo em glória daqueles que, nunca tendo plantado uma videira, valorizavam, pela qualidade do vinho produzido, o resultado de uma boa colheita. De seguida, Jesus passou-lhe a mão pelo ombro amigo e deixou de se perceber se, ao longe, era uma ave que voava em direção a uma montanha ou se pelo contrário era a serra que se deslocava para vir ao seu encontro. No entanto, isso pouco importava. De súbito, era como se apenas importasse o que acontecia no exterior do pomar, onde Jesus esperaria obter iguais frutos aos que cresciam nas árvores, através das palavras semeadas nos corações dos homens.

Voltando a abordar o tema, Lázaro perguntou-lhe por que razão não poderia acompanhá-lo a Jerusalém, onde não estaria livre de o acusarem de ser o autor moral de um atentado que estariam a perpetrar os judeus, visando destituir do cargo o cônsul romano encarregado de governar a Galileia. “E não me venhas dizer que é perigoso! Já me arrisco dando-te abrigo na minha casa e além disso dois braços fortes poder-te-ão vir a ser úteis.”. Jesus queria dizer ao amigo que estava agradecido por tudo o que tinha feito por Si até ao momento. Queria agradecer-lhe a hospitalidade. Que não queria arriscar-se a pôr a vida dele em perigo. Só não podia contar-lhe o que ia acontecer, porque não queria deixá-lo ainda mais preocupado. Que contava com ele para, após ter morrido, ser o maior apoio dos apóstolos que iam partir pelo mundo na difusão da Sua mensagem.

Podia ser difícil. Decerto, custaria tanto aos primeiros cristãos habituarem-se a lidar com os obstáculos que teriam pela frente, como, a quem os ouvisse, acostumar-se com a ideia de não responderem violentamente às agressões a que eram sujeitos e a darem pela segunda vez a face a quem já antes os tivesse atingido.

Ao ir naquela semana decisiva para o futuro da humanidade a Jerusalém, Jesus estava plenamente consciente de que ia despoletar a ira de fariseus, judeus, doutores da lei e de todos os que duvidando da veracidade do que dizia, só estranhavam que no meio de tantas mentiras Ele não tivesse sido capaz de inventar mais uma por forma a poder salvar a pele.

Assistia-se ao começo de uma nova Era. O nascimento de Cristo marcou o início da Religião Cristã, mas foi através da Ressurreição e morte que aos ouvidos do mundo inteiro chegou a notícia de que, pela salvação de todos, Alguém, carregando uma cruz, se dispusera a subir o Monte do Calvário da forma a que só não tentaria escapar quem desconhecesse que ia ser nela pregado.

Quanto a Lázaro veio, tal como Jesus previra, a desempenhar um papel importantíssimo na difusão do cristianismo. Ele próprio saiu a pregar o Evangelho e, no seio familiar, deu guarida a cristãos, que escaparam a perseguições como se fossem o inimigo temido pelos romanos, capaz de derrubar o império graças a uma oposição pacífica.