Curar as Birras da Política

Na passada semana passei ao de leve o tema “birras” que ultimamente tem sobrevoado os céus da política portuguesa. Gostaria hoje de me debruçar um pouco mais acerca de alguns dos eventuais fundamentos que, na minha opinião, poderão estar na origem da existência dessas birras institucionais, que provavelmente, não nos deixam ser um país de maior crescimento não só económico, mas também cívico e de mentalidades.

Começando há mais de um século atrás, com a implantação da República, que pouco ou nada ajudou à revolução industrial deste país, e que, tendo como um dos fundamentos a democracia, ou seja, o poder através do povo, através da sua opinião e do seu voto, depressa essa República se tornou numa nova forma absolutista de poder, que durou cerca de 40 anos.

Durante esse período, porém, alguma coisa se desenvolveu no nosso país: os caminhos de ferro, estradas, pontes e infraestruturas escolares e de saúde, foram construídas e colocadas a funcionar nessa época. Muito dinheiro foi amealhado, muito às custas de um povo que vivia numa pobreza extrema, num Estado que era rico e com algum poder e influência no mundo. A insistência na guerra colonial, isolou Portugal do mundo e conduziu o nosso país à Revolução de Abril, que consistiu num golpe de estado militar protagonizado pelo chamado movimento dos capitães.

O 25 de Abril foi de facto uma revolução única em todo o mundo, uma vez que foi pacífica, não houve derramamento de sangue, e por esse motivo, maravilhosa. Apesar disso, os protagonistas políticos que se seguiram, ou por não estarem preparados ou por terem sido mal orientados, mal conduzidos ou ainda por defenderem na altura ideologias demasiado radicalizadas, no intuito de se demarcarem definitivamente do anterior regime, foram tomadas opções e decisões para o país – que também originaram problemas transversais nas antigas colónias – e das quais até hoje ainda não ouvimos os seus responsáveis lamentarem-se ou pedirem desculpa por tais decisões precipitadas.

Falo aqui, principalmente do abandono definitivo das ex-colónias, entregando o poder na rua de forma parcial a uma das partes beligerantes e que originaram, em todas as ex-colónias anos a fio de guerra pelo poder, que só foi resolvida entre 15 a 30 anos depois. Já sem falar do caso de Timor, território que foi literalmente abandonado nas mãos dos indonésios (e toda a gente sabe o que por lá se passou durante décadas).

Falo aqui também de um sistema político democrático que foi criado, assim como de uma Constituição da República que, à época, era considerada como uma das mais progressistas do mundo “civilizado” (leia-se “ocidental”). O nosso sistema de partilha, divisão e separação de poderes (executivo, legislativo, judicial) foi há 40 anos criado tendo por base determinados pressupostos que, hoje em dia, muitos deles, já não se verificam. O nosso sistema eleitoral, sendo de certa forma justo, não facilita a obtenção de maiorias que possam facilmente sustentar governos com estabilidade, de forma a que possam governar cumprindo os seus programas na legislatura a que estão destinados.

Sendo o nosso um país pequeno, não faz muito sentido que existam ainda círculos eleitorais distritais, na minha opinião. Até porque, muitas das vezes, os cabeças de lista para os distritos nem sequer são personalidades locais e vão representar uma região que não conhecem devidamente. Faria para mim mais sentido, que os deputados fossem atribuídos, pelo mesmo método que é utilizado para as europeias, ou seja, a nível nacional, sendo que alguns, estariam mais adstritos a determinadas regiões e os partidos deveriam distribuí-los pelas suas listas, consoante a representatividade que cada região tivesse no país. Aqui, subentende-se que houvessem regiões em vez de distritos… é verdade, com a eliminação dos Governos Civis, não faz para mim sentido que existam ainda distritos no nosso país. Faz mais sentido que o país seja organizado administrativamente em regiões e, daí, a organização partiria para todas as funções do Estado: em termos de saúde, de educação, de administração interna (forças de segurança civis), de defesa (militares, incluindo GNR), de administração judicial, de agricultura, pescas, ambiente, de comércio, indústria e turismo, e por aí adiante. Não seria necessário sequer que houvesse uma nova classe política, uma vez que essa administração descentralizada poderia ser efetuada por comissões escolhidas pelos e dentro dos presidentes/vereadores das câmaras municipais existentes nessas regiões. Acumulariam portanto essas funções porém, geridas por todos e de forma rotativa, de certo que existiria uma maior capacidade de decisão e uma maior proximidade com as populações, libertando assim muitos dos membros (por vezes excessivos) do governo para a execução mais efetiva das suas políticas.

Por outro lado, a nossa forma de Presidência da República semi-presidencialista, na qual os poderes do Presidente – apesar de ser escolhido através de voto universal – são um pouco ténues e facilmente “descartáveis”, uma vez que o seu poder de veto político facilmente pode ser contornado pelo Parlamento ou pelo Governo, através de pequenas nuances nas leis. Na minha opinião, o Presidente da República, deveria ser acumular com a Presidência do Conselho de Ministros, sendo assim o coordenador do Governo e tomando parte das decisões executivas do mesmo, apesar de a sua eleição continuar a ser como até aqui. Isto é, gerava-se com isto um maior equilíbrio de poderes e por ventura, este tipo de Presidência estaria mais de acordo do que a maior parte dos portugueses pensa que são as funções do Presidente. Muitos populares manifestam-se muitas vezes contra o Presidente, como se ele fosse um membro do Governo, o que afinal, não é. Ao mesmo tempo, se o Presidente fosse oriundo de família política diferente da do Governo, ele seria também um “contra-ponto” no interior do Governo, que o levaria de certo a tomar decisões com maior qualidade. No entanto, o governo continuaria a ser gerado, como até agora, através de eleições legislativas.

Para finalizar, gostaria também de deixar a minha opinião acerca de dois últimos assuntos, que coloco em forma de interrogação:

1) será que passados quase 40 anos sobre a redação da primeira Constituição pós 25 de Abril, a mesma evoluiu a par e à mesma velocidade da evolução dos tempos nestas últimas décadas? A queda do comunismo e do muro de Berlim, a nossa entrada na CEE, posteriormente União Europeia e mais tarde na moeda única e todas as premissas, contratos e tratados assinados, todos eles serão compatíveis com a nossa Constituição? Muitos desses acordos e Tratados não significaram para nós a cedência de uma parte da nossa soberania enquanto Estado?

2) será que a escolha dos elementos constituintes do Tribunal Constitucional deveria continuar a ser uma escolha política, ou seja, oriunda do parlamento e, por conseguinte, dos partidos com assento parlamentar, nomeadamente os mais votados? Para que o TC fosse um órgão completamente considerado imune a influências e interferências políticas, não deveria ser escolhido através de um colégio de juízes? Por exemplo entre os juízes do Supremo e dos Tribunais da Relação?

3) será que o Governo deveria continuar a deter o poder de redigir e fazer aprovar Leis? Essa incumbência não deveria ser apenas e só da Assembleia da República? Quando muito, o Governo poderia continuar a publicar Despachos e Portarias, para regulamentar as Leis aprovadas única e exclusivamente no Parlamento.

4) para quando é que o nosso Estado decide acabar com as mordomias que ainda detém: refeições no Parlamento ou fora dele; carros de luxo e motoristas, incluindo Presidentes de Câmaras e de Regiões Autónomas; assessores e mais assessores de assessores; seguranças e mais seguranças; diminuição do número de parlamentares e muitos outros luxos que o povo não gosta de ver nem de pagar…

Há muito ainda para fazer, para que a nossa democracia seja moderna e participativa. Para que os cidadãos decidam voltar às urnas e escolham os seus representantes com vontade e alegria. Trabalhem para isso, senhores políticos!