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Doutor – enfermeiro seu vizinho e casadinho

Querido leitor, bem sei que o leitor não está habituado à minha veia 100% translúcida e humorística. O leitor está habituado aos meus temas que não visam lembrar ao menino Jesus; quer dizer ao menino Jesus até devem de lembrar mas raramente eles têm um contato puro dos acontecimentos da vida real -, ‘aquele que retardou as eleições’, ‘o outro que é ex-ministro e agora vem ao parlamento falar de não sei o quê’, ‘o homem que mordeu o cão e o gato que nem sabe o que isso é’, enfim, acontecimentos realmente sérios e vívidos para serem dignos de Top 10 (tenho uma crónica com esse título). Talvez os meus temas se deixem ficar simplesmente pela aplicação de conceitos teórico-práticos, não menos válidos mas com menor caráter espetacular. Se o leitor lê as minhas crónicas percebe do que estou a falar. Porém querido leitor, inspirada numa crónica realmente humorística do colega colunista Ricardo Espada acerca da acessibilidade ao WC em hora de desespero, decidi contar-vos uma peripécia como uma espécie de alerta.

Há algum tempo atrás, num domingo solarengo, eu e a famelga decidimos ir buscar como era de costume, vitela assada (o que agora acontece raramente porque a vida está cara). Nesse dia, não sei o porquê, toda a gente comeu vitela e a Patrícia querido leitor, sim, eu mesma que escrevo para si todas as segundas, a sua colunista preferida, começou a sentir um mal-estar gradual tipo «meu deus, o que é que se passa comigo!?», «onde é que me dói?», «não me estou a sentir nada nada bem…». Eram idas à casa de banho, sintomas febris, vómitos e a sensação genuína de um murro no estômago, no pâncreas ou fosse lá onde fosse na zona abdominal…mas que doía, ai isso garanto-lhe…doía mesmo… Nisto olho para o relógio e dão: 00:00h, 02:00h, 04:00h… e continuava eu, «ai que isto dói-me mesmo, mas onde é que me dói? Já não sei o que fazer…». Então aí, após um processo moroso de dor e de sofrimento resolvi ir ter à casa de saúde mais próxima: próxima paragem – Hospital Santos Silva pelas 4h e tal da manhã…
– Menina Patrícia Marques, pode entrar.
Com os olhos meios cerrados entrei nas urgências ao que pluff…tive uma visão. A dor era forte e apesar de constatar alguns sintomas febris não achei que fosse o suficiente para estar a delirar.
– Então Patrícia, encontra-se com dores é? Vamos lá ver isso…- disse-me um enfermeiro de 1,80 e tal, olhos d’água, giríssimo e a perguntar-me se poderia cuidar de mim. Perguntei-me a mim mesma: ‘Mas porquê que as coisas assim só me aparecem àquela hora e depois de tanta dor?’ E eu lá lhe expliquei:
– Doutor, é esta dor no meio da barriga; não sei especificar muito bem onde, sei que é mais ou menos aqui. – disse-lhe eu, colocando a mão no estômago para ver se apaziguava um pouco mais a minha dor.
De seguida ele mandara-me dizer tudo o que tinha comido até àquela hora, auscultou-me e encaminhou-me para uma sala para fazer exames específicos naquela região; e assim que cheguei com o resultado dos exames, o Dr. disse:
– Talvez fosse o molho da vitela que não fosse fresco! Ou então alguma coisa que lhe fez mal; parece-me que temos aqui uma gastroenterite…Temos de estar um bocadinho a soro…e isso vai passar. É possível que a fisionomia/estética do rosto de alguém possa amenizar a nossa dor quando assim a temos? Apesar de não conhecer estudos sobre isso, acho que sim.

-Desculpe? Gastroenterite? Como é que isso é possível se toda a gente comeu e só a mim é que me fez mal? Carne de vaca capaz de me enviar às 4h da manhã para o hospital para ser atendida pelo enfermeiro mais giro que havia?! Será que não poderia existir outro argumento? E a Patrícia ali… a queixar-se, toda despenteada, recambiada por uma vitela (100% carne de vaca) que só a ela lhe fez mal…
– Sente-se então Patrícia, vai estar um bocadinho a soro…
– Sim Sr. Doutor. – dizia eu sem grande pressa.
Passado algum tempo, ao entrar no ginásio (praticava cardiofitness na altura), estava eu na bicicleta e pluff…quem lá se encontrava? O sr. Doutor. Eu devia de estar a sonhar…ainda esfreguei os olhos para ver se era mentira, mas não, era mesmo o sr. Doutor.
Após alguns dias, ia eu para a minha humilde casinha, até que pluff…não, querido leitor, não se fez o chocapic, tornei a ver na minha freguesia (sim, não é na mesma cidade ou concelho, mas na minha freguesia) o Sr. Doutor a entrar para o espaço recreativo onde, pela suas vestes, deveria de ir praticar karaté. Ainda bem que não vinha nenhum carro de frente porque senão acho que a esta hora…não sei não. Mas como é que é possível?
Até que chegou uma altura que em conversa com a minha avó (que conhece senão toda a gente, a maior parte das pessoas da freguesia) lhe disse que precisava de entregar o meu curriculum para estágio profissional, ao que ela acrescentou:
– Porque não vais ter ali com o genro da não sei quê, que é enfermeiro do Hospital? Eu passo lá e marco com a sogra uma hora e entregas-lhe o curriculum. Acho que ele é muito simpático…
– Está bem (era um dos muitos currículos que iria para não sei onde; aí o cansaço de entregar currículos ainda se encontrava no ponto médio).
Chegada a hora combinada, toquei à porta e com cara de quem quer entrar pela porta do cavalo para um trabalho e disse:
– Olá, eu vim entregar…
A senhora que já devia de estar ocorrente das coisas disse apressadamente:
– Eu sei, é para o meu genro, ele só estava a comer alguma coisa porque chegou agora do hospital mas eu vou chamá-lo…Nisto apareceu o Sr. Doutor:
– Olá, é a Patrícia?! – disse ele ainda em processo de mastigação de alguma coisa.
– Sou sim. – disse incrédula. Vim entregar o meu CV para estágio, se tiver a possibilidade de ver alguma oportunidade…
Que lições podemos tirar daqui querido leitor?