O Embuste da Black Friday em Portugal

A Black Friday é um dia mítico nos Estados Unidos da América (EUA). Por todo o país os descontos atingem proporções impensáveis e as pessoas perdem a cabeça em busca do negócio do ano (literalmente). Desde acampamentos à porta dos estabelecimentos comerciais, a feridos ligeiros resultantes das lutas dentro das lojas, vale tudo para sair vencedor, e vivo, da Black Friday. Mas em Portugal nada disso acontece, por cá é um dia quase igual aos outros. Porque será que um conceito tão atractivo não resulta? A sabedoria popular sempre afirmou que a culpa era das próprias lojas (e da pouca ambição das respectivas promoções) contudo nunca houve forma de o provar. Até que, este ano, a DECO colocou mãos à obra. O que descobriram? Bom, digamos que o povo sabe sempre o que diz. Sejam muito bem-vindos ao “Desnecessariamente Complicado” desta semana!

Quem está familiarizado com a loucura que é a Black Friday nos EUA não pôde deixar de se rir com a edição deste ano do evento em Portugal. Primeiro porque os descontos eram tão pequenos que em muitas das lojas era necessário uma lupa para os encontrar. Segundo porque quem procurava o espectáculo das filas intermináveis, das correrias na hora de abertura e das agressões entre consumidores saiu profundamente desiludido. Se houve filas? Claro que sim. Se houve quem corresse? Claro que sim. Mas foram actos isolados e muito raros, nada que se possa comprar com a Black Friday original. A verdade é que, no geral, a maioria das pessoas nem sequer tinha conhecimento da iniciativa (e quem teve não estava assim tão entusiasmado quanto isso). Ou seja? Mais uma vez o tiro saiu pela culatra.

E se, por um lado, a culpa é da crise e do diminuto poder de compra dos portugueses a verdade é que isso não explica tudo. Se as promoções fizessem jus ao conceito a realidade teria sido outra. Se tivesse sido seguido o exemplo norte-americano teríamos encontrado descontos até 90% e a maioria dos produtos com descontos de, no mínimo, 60%. Ora nada disso aconteceu, certo? Então como poderia a Black Friday tuga resultar? Pois, era impossível.

Mas, para nossa sorte, ainda existe quem se preocupe verdadeiramente com os consumidores portugueses. Sim, adivinhou: estou a falar da DECO. Ao longo dos últimos anos por inúmeras vezes a DECO veio defender publicamente a verdade, apontando culpados, abrindo processos e aplicando multas exemplares. E a Black Friday foi mais uma das alturas em que vimos tudo isto acontecer.

A DECO analisou 1862 produtos, de sete lojas com venda a retalho e online, entre os dias 16 e 27 de Novembro. E qual foi a principal conclusão? Algo que todos sabíamos mas que nunca conseguimos provar: que os preços dos produtos aumentaram. Quer saber quanto? Eu digo-lhe: 10%! Regra geral os técnicos encontraram dois tipos de situações quando comparados os preços antes e depois desta promoção: na mais frequente o desconto real da Black Friday era inferior ao anunciado e, nos outros casos, o desconto era negativo. Ou seja? Exactamente, acertou: os artigos foram vendidos a um preço mais elevado do que num dia normal.

O caso é tão grave que a DECO concluiu mesmo que em cada vinte artigos um violava a Lei dos Saldos e das Promoções e a Lei das Práticas Comerciais Desleais. Não estamos, portanto, perante, um ou dois casos isolados. O que é tão grave que foi feito um pedido à ASAE e à Direcção-Geral do Consumidor para que algumas empresas fossem multadas até um máximo de 45 mil euros! Claro que isto não significa que as coimas sejam mesmo aplicadas, mas talvez com essa medida tivéssemos menos infracções no futuro.

Por esta altura está o leitor a dizer: “O que eu queria agora era o nome das lojas infractoras, para saber onde não voltar no futuro!”. Felizmente a DECO revelou não só todos os dados que mencionei acima como também…o nome das ditas lojas! Foram registadas infracções na Fnac, na Rádio Popular, na Worten e no El Corte Inglês, sendo que apenas o Staples e a Box (pertencente ao Jumbo) não registaram quaisquer problemas.

A confirmação daquilo que todos sabíamos que acontecia revelou-se grave a vários níveis. Primeiro: a nível legal. Existem leis que têm de ser cumpridas. Não cumprir essas leis é arriscar um processo e uma elevada coima. Mas acima tudo é não ter respeito por Portugal, pelos políticos que nos governam e pela Democracia. Segundo: para com o conceito de Black Friday. Aderir a uma iniciativa mudando o seu conceito por completo vale zero. Era o mesmo que eu dizer: “adoro futebol, mas para mim as linhas e a bola estão ali a mais”. Ou seja, eu gostava de desporto mas não do futebol. Com a Black Friday acontece o mesmo: se as empresas não fazem descontos, ou fazem descontos irrisórios, não podem depois vir afirmar que o conceito não funciona em Portugal.

Terceiro, e para mim mais importante que tudo: para com os clientes. Aquilo que aconteceu em Portugal é de uma deslealdade atroz. Se isto fosse um país a sério teríamos muito boa gente a fazer boicotes a certas marcas e a imprensa a massacrar as empresas pela atitude que tiveram, por exemplo. Sim, porque anunciar grandes descontos e, no fim, fazer o cliente pagar ainda mais do que antes das promoções é literalmente gozar com quem paga os salários dos seus donos e funcionários. Mas pior do que isto ter acontecido é não termos tido sequer um pedido de desculpas. Ficou provado que as marcas engaram os clientes e nem sequer é feito um “mea-culpa”? Realmente é preciso ter descaramento!

O que aconteceu foi, basicamente, uma demonstração de “chico-espertismo” ao mais alto nível. Uma jogada reles, suja, e onde se denota a esperança de enganar o maior número de clientes possível. E quando uma empresa tem como pressuposto “vender a todo o custo” sabemos que é apenas uma questão de tempo até as consequências negativas baterem á sua porta!

Resta-nos fazer duas coisas: agradecer à DECO o excelente trabalho que tem vindo a desempenhar e esperar que em 2016 as empresas tenham mais seriedade e respeito para com os consumidores em Portugal. E já sabe: se por algum motivo se sentir aldrabado, ou desconfiar mas não tiver provas, não hesite em recorrer à ajuda da DECO. Ao menos aí sabe que não será enganado!

Boa semana.
Boas leituras.