Quando Uma Emigra Vai à Terra

  Talvez os leitores que me acompanham tenham notado que, na semana passada, me “baldei” à crónica. Pois é, o motivo é simples. Eis que passados quase 16 meses sem ir a Portugal, decidi aproveitar o aniversário da minha mamã para ir à terra. Tirei uma semaninha de férias para usufruir plenamente de tudo a que tinha direito. Basicamente a agenda estava cheia, de tal forma que tive de fazer um calendário para me orientar. Almocei com colegas de trabalho, lanchei com familiares, jantei com amigos de coração e aproveitei para também jantar com amigos que não via há mais de 20 anos! Reencontrei colegas de ciclo e relembrei o passado entre sorrisos e gargalhadas que me provocaram ataques de asma! Diverti-me à grande, portanto.

  A sensação de não ter nada para fazer já me é estranha. Sentada no avião penso “Epá, agora que estou aqui tenho tempo de sobra para escrever” – A cabeça já estava a fervilhar inspirada pelo algodão celestial que via pela janela. – “Ena, tantas coisas sobre as quais quero escrever… Porra… não trouxe nem caneta nem papel… Bela escritora que me saíste!” A verdade é que estou tão no registo de ter sempre mil coisas para fazer que nem me ocorreu que o avião seria o ideal para escrever logo umas quatro crónicas. Como não gosto de falar com estranhos (na verdade nem me ocorreu que podia pedir papel e caneta à malta da tripulação) acabei por fazer algo que há muito não fazia… ouvir a minha setlist de música pra meditar. Se já estava nas nuvens, fiquei logo Zen.

   Porém, quando aterrei, o estado Zen começou a esvanecer-se. Depois de 20 minutos a caminhar pelo aeroporto e mais 10 para recolher a mala, eis que abro logo a pestana ao chegar à rua. O que é que encontro enquanto espero que a minha irmã de coração chegue? Pois é… Taxistas VS Uber! Ao princípio julguei ser uma batida de carro, dado o amontoado de gente mas, rapidamente percebi que não era. Entre gritos, alvoroço e estrada cortada pelo amontoado de gente, subitamente começo a sentir o meu coração bater rapidamente quando percebo que a situação pode ficar fora de controlo. Os agentes da autoridade não eram muitos e os taxistas estavam, digamos que, exaltados… Para além de ver um taxista baixar o vidro para se dirigir a um moço que aguardava no carro por alguém (Uber ou não Uber…não sei) proferindo palavras aconchegantes que terminaram com um grande “oh filha da p***!”, vi também outros correrem em direção a um sujeito que recolhia turistas, enquanto mostrava ao Sr. Taxista uma folha de papel entre mãos trémulas. Os ânimos estavam ao rubro e o Sr. Taxista teve de ser “encostado” pelo agente da autoridade. Parecia uma caça à bruxa e eu só pensava “Ai, queres ver que quando a P. chegar se atiram a ela também?”. Claro está que ela chegou e saiu do carro e abraçámo-nos logo (só naquela do a gente conhece-se, ela não é Uber) enquanto lhe digo ao ouvido “rápido, baza, baza que eles estão loucos!” O resto do trajeto foi o habitual da 2ª Circular com um carro capotado e a tradicional fila de trânsito de quem gosta de dar orçamentos.

  Confesso que já não estava acostumada às constantes buzinadelas contra carros e transeuntes, frequentes ocorrências com polícias à mistura, acidentes diários na 2ª circular e CREL, monovolumes roubados à porta de casa, mães que matam as próprias filhas, mães que omitem o homicídio do próprio filho e até mesmo senhores que matam a sogra à paulada…

  Não vou dizer que Espanha ou Barcelona são perfeitos, que não existem crimes, acidentes e violência mas a verdade é que a energia desta cidade e das pessoas é completamente diferente. Em Madrid, por exemplo, não me senti como sinto aqui. Se calhar aconteceria o mesmo se estivesse no Porto e não em Lisboa… O meu pensamento enquanto via e ouvia o que me rodeava era “mas está tudo louco?”. Parecia que o fim do mundo se aproximava… pensamento reforçado pelo temporal, pois tive imenso azar com o tempo. Muito frio, vento e chuva!

  A minha estadia foi um grande misto de emoções. Se por um lado estava feliz por estar com aqueles que amo e estimo, por outro, a cidade e o país em si não me dizem nada. Não me identifico, não me sinto em casa. Às vezes dava por mim a pensar que queria voltar para casa, para perto do D. e dos meus patudos. Diariamente pedia ao D. fotos dos meus meninos e via as suas fotos e vídeos no telemóvel para matar saudades. Voltar a casa, dormir no meu antigo quarto, ouvir a porta da casa do lado abrir e fechar e pensar por um milésimo de segundo “o avô chegou…”Ele já não vivia ali antes de partir, tinha vendido a casa e arrendado outra mas o abrir daquela porta, ouvi-a por mais de 25 anos, fez-me regressar ao passado. Vi muitas lojas que fecharam, outras novas que abriram. Tanta coisa que mudou e tantas outras que se mantêm estagnadas no tempo, como estar com a minha mamã numa esplanada a apanhar sol como perfeitas lagartixas que somos (sim, porque ainda consegui apanhar uns dias de sol também, não foi só temporal).

  Quiça depois de partilhar os meus pensamentos o meu número de leitores reduza (de 5 para 2) mas é o meu ponto de vista, a minha visão e o modo como assimilo cada regresso. Não sou antinacionalista nem pouco patriota mas há muito que acho que Portugal precisa mudar, para o seu próprio bem. É triste sentir-me mais em casa e mais feliz num país que não me viu nascer. Sou do tempo em que ao final do dia as pessoas se reuniam nos cafés para conversar e descontrair, do tempo em que as crianças brincavam nas ruas, quando não existiam telemóveis e redes sociais. Sou do tempo em que as pessoas nos atendiam com sorrisos.

  O que quero no fundo dizer é que existem fatores culturais, é um facto, mas… estarão os portugueses a perder completamente a sua sanidade, o seu bem-estar, o seu equilíbrio? Não vejo qualidade de vida, não vejo sorrisos ou felicidade estampada nesses rostos com quem me cruzei. Talvez Lisboa seja diferente do resto do país… ou talvez não.