Entre mis recuerdos

Não a via há um número de anos suficiente, para achar que teria pelo menos mais vinte quilos e o corpo moldado de maneira a parecer que eram muitos mais.

Sob um vestido que mesmo assim lhe ficaria largo, porque foi o único a servir-lhe enquanto esteve grávida do terceiro filho que depois amamentou até aos dois anos, já não se veriam sinais da mulher outrora elegante, na escolha desleixada da roupa interior, que usava apertada com o pretexto de poder continuar a usá-la na data em que iniciasse uma dieta e começasse a emagrecer.

Lembrava-me dela aos treze, catorze, quinze e dezasseis anos, até ter mudado de escola e preferido a companhia de um grupo de novos amigos, de quem nunca esperei que viessem ao encontro dos que já o eram há mais tempo.

Eram um grupo de snobes, nascidos e criados no seio de famílias de classe médio-alta, em cujas casas o sol que embatia nas persianas, refletia o bom estado do tempo que fazia lá fora, agradando a quem não auferia salários tão elevados e dispunha de menores recursos.

Tínhamos diversos amigos em comum. Eu tinha-a até na conta de uma pessoa bem-educada. Dizia-me bom dia quando a via passar na rua, com vestidos que lhe assentavam tão bem no corpo, que dava vontade de saber se teria herdado o bom gosto da mãe que devia ser quem ia com ela à loja e ajudava a escolhê-los.

E era bastante simpática. Era capaz de com um sorriso, captar a atenção mesmo de quem não andava sempre a contar piadas como eu e, por isso, sabia que ele não lhe era dirigido.

Fisicamente era atraente de rosto. Era muito pestanuda e aos olhos castanhos muito expressivo, juntava, numa altura em que ainda não estava na moda, um corte de cabelo liso, como uma fina folha de papel na qual desse vontade de começar a escrever e dedicar-lhe um poema.

A boca era pequena, o nariz de estilo acutilante e a pele muito rosas, mas devia ser de lhe esfregarem no corpo, bálsamos para ficar com o cheiro de uma flor.

Namorou em tempos com um amigo meu, de quem lá por ter sumido na mesma altura em que ela, não fiquei a pensar que tivessem continuado juntos. Tinha um olhar enviesado e na defesa de certos pontos de vista em relação aos direitos das mulheres, nem sempre era o exemplo de um homem de quem se continuasse a gostar depois de abrir a boca. Senti-me feliz quando terminaram o curto namoro de três semanas, talvez por achar que para lá desse tempo e à medida que ele continuasse a contar-lhe coisas a nosso respeito, ela pudesse vir a achar que, a começar pelos amigos, os homens eram todos iguais e sendo assim, nenhum valia a pena o esforço de tentar que uma relação desse certo.

Para mostrar-lhe que era diferente, comecei com modos civilizados, a tentar meter conversa com ela, passando, enquanto a cumprimentava, a sorrir-lhe, na esperança de que ela gostasse e para revê-lo rapidamente quisesse passar novamente por mim.

Agarrei-me à ideia de para vir a namorá-la, teria urgentemente de me começar a vestir melhor. Sem perder tempo, nem olhar a preços, fui a uma loja de desporto comprar uns ténis de marca, que me encheram os pés de bolhas, de tê-los calçado sem meias e saído a correr do local para perguntar-lhe à pressa se me ficavam bem nos pés.

Pouco depois, deixei de vê-la como menina e fi-la tornar-se no objeto do meu desejo de sair com uma rapariga pela primeiríssima vez.

Há muito ouvia os meus colegas em jeito de desabafo, contarem as reações das respetivas namoradas às tentativas que faziam no intuito de lhes tirarem a roupa para ficarem a conhecê-las melhor, no que em nada diferia do comportamento de algum irmão mais novo que, movido pela curiosidade, as espreitasse às escondidas pela fechadura da porta da casa de banho.

Pus-me então a idealizar sítios onde ela gostaria que a levasse e, deixando-me enredar nas teias do pensamento, imaginei até sob que lado da almofada ela, para poder sonhar comigo à noite, guardava os versos que lhe fiz chegar por uma amiga, em que a comparava a uma das musas dos soneto de Camões, típicos de uma fase de amadurecimento do poeta que eu ainda não tinha alcançado.

Todavia, o meu sonho não foi concretizado, porque sumiu da minha vista após umas férias de que voltou a meu ver revoltada, talvez por ir mudar de escola, fazendo-me crer que não estaria recetiva ao meu convite.

Vêm agora dizer-me que ela voltou de um período de trabalho em Espanha, como Auxiliar de ação médica num hospital do qual os pacientes saíam curados das enfermidades físicas, como se nunca tivessem padecido de qualquer doença e apenas lá tivessem ido por sua causa, com o objetivo de atestarem da sua beleza.

Vi-a noutro dia, passar não muito longe e, afinal, nada de ter uns quilitos a mais, que no seu caso podiam ser o colmatar da lacuna que faltava para ser perfeita. Continua de silhueta perfeita e vestia uma saia de pregas de que não guardo memória de já ter visto assentar tão bem no corpo de outra mulher, mesmo mais nova.

Mantém a pele do rosto cuidada e pintou o cabelo de ruivo. Ainda o usa comprido, mas já não tem a pender-lhe nos ombros o par de tranças a darem-lhe um ar infantil, com que a mãe a penteava no início da adolescência, não sei se por achar mesmo que lhe ficavam bem ou se o fazia na tentativa de camuflá-la para rapazes como eu não perceberem que estava finalmente a desabrochar e a tornar-se mulher.