Entrevista com a Morte!

2016 começou da pior forma possível. Estamos ainda a terminar o primeiro mês do ano, e já uma carrada de gente famosa e supertalentosa bateu as botas. Ou, por outras palavras, foi ter com o Criador. Ou, então, foi ter com os anjinhos. Ou melhor ainda… ah, já chega: isto já está a tornar-se excessivamente estúpido. Basicamente, o que quero dizer é que bastante gente que, realmente, faz falta a este planeta, está a desaparecer a um ritmo alucinante neste princípio do ano. E isso é, de facto, muito triste, e igualmente muito bizarro. Com tantos dias para falecerem, e desatam todos a cair que nem tordos no princípio de 2016 por alma de quem? Isto é a pergunta que todos gostariam de ver respondida, mas não conseguem. Mas eu consegui obter uma resposta… Até mais do que uma resposta…

Já saturado de ver, todos os dias pela manhã, surgirem notícias de gente famosa que faleceu sem mais nem menos, achei que devia tentar descortinar o que se anda a passar. E quem melhor para responder a essa pergunta, do que aquele pelintra de capuz preto e munido de uma foice que dá pelo nome de “Morte”? Enchi-me de coragem e enfrentei a Morte de peito cheio, na tentativa de recolher respostas para o cúmulo de mortes que têm assombrado 2016. Ora fiquem, os caros leitores, com a minha corajosa entrevista à shôra D. Morte…

Ricardo: Ora viva, shôr… shôra… Oh, raios. Não sei bem como lhe devo chamar… Você é uma “ela” ou um “ele” afinal?

Morte: Bom dia. Bom, muito sinceramente… nem eu sei bem aquilo que sou. Sabe, isto de andar sempre de capuz e de foice na mão é assustador e pode ser associado a um indivíduo de género masculino, mas também diz que há por aí com cada menina mai maluca que eu sei lá… e que são capazes de tudo. E olhe que eu sei do que falo, que tenho levado comigo muita menina tarada… Psicopatas, mesmo… E para além disso, eu por debaixo desta vestimenta, sou apenas um esqueleto. E como tal, não faço a mais pequena ideia do que sou: masculino ou feminino. Por isso… Eh pá, chame-me o que quiser…

Ricardo: Pois muito bem. Então sendo assim acho que o vou intitular de “Besta”.

Morte: Ena, também não é preciso ofender, caramba. É por eu andar por aí a ceifar a vida ao pessoal? Eu não tenho culpa, sabe. Eu sei que é um trabalho sujo e chato, mas alguém tem que o fazer.

Ricardo: Sim, tudo bem. Eu compreendo isso, mas não é por isso que eu decidi apelidá-lo de “Besta”.

Morte: Ah, já sei. Eu já devo ter “ceifado” a vida a alguns familiares seus, e por isso você está mais ou menos aborrecido comigo, certo? Olhe, lamento, mas a morte é mesmo assim. Ou seja, EU sou mesmo assim…

Ricardo: Eh pá, sim, pode dizer-se que estou um pouco aborrecido consigo, ó Morte, mas é mais por ter levado o meu fiel amigo há uns dois/três anos atrás, e que me faz muita falta.

Morte: Ah, o seu cão?

Ricardo: Não, nada disso.

Morte: Hum… gato?

Ricardo: Nop.

Morte: Calma, que eu sou bom nisto das adivinhas. Hum… Um pássaro?

Ricardo: Não.

Morte: Um amigo de infância?!

Ricardo: Está frio, Morte… Muito frio…

Morte: Mas que raio… Sabe, a minha lista é enorme e eu já tive melhor memória para conseguir lembrar-me de toda a gente que já ceifei deste mundo. Ah, já sei: um Bicho-da-Seda? Todos os petizes passam por essa estúpida fase dos Bichos-da-Seda. Com toda a certeza que você também teve um…

Ricardo: Sim, também tive Bichos-da-Seda, mas não é esse o meu fiel amigo que você achou por bem ceifar…

Morte: Um queijo suíço? Já estou por tudo…

Ricardo: Não. Trata-se de um Mast…

Morte: Espere! Não diga! Eu consigo adivinhar! A sério que consigo!

Ricardo: Ó Morte, eu não tenho o dia todo, pá… Era um Master Yoda em peluche que eu tinha e que um dia desapareceu. Ele era o meu confidente! Ele sabia todos os meus segredos, todas as minhas desilusões amorosas, e de um momento para o outro ele desapareceu! Os meus pais disseram-me na altura que ele tinha sido levado por você! A partir desse dia, nunca mais consegui pensar em si senão como a “Besta” que me levou o meu fiel amigo…

Morte: Um peluche…? Eh pá, estava longe de adivinhar essa… Ainda bem que disse, porque estou desconfiado que íamos ficar aqui o dia todo nisto… Bom, sendo assim, peço desculpa. Mas é o meu trabalho… Não é nada pessoal. É apenas o meu trabalho. Não me leve a mal…

Ricardo: Tudo bem, tudo bem… São coisas da vida, não é verdade?…

Morte: Da Morte… Eh, Eh, Eh!

Ricardo: Isso! Eh, Eh, Eh! Mas agora vamos lá a assuntos sérios. Mas que ideia macabra é essa de começar este ano a “ceifar” a vida a uma data de gente famosa e talentosa? Não acha que anda a abusar?

Morte: Hum… Sim, eu confesso que ando a abusar um bocadinho. Mas você não compreende o que é ser a “Morte”. Isto é um trabalho muito aborrecido e solitário… Há séculos que ando nesta vidinha da treta completamente sozinho. Não tenho ninguém a fazer-me companhia. Ninguém quer saber como a Morte se sente. Eu não tenho sequer um amigo, porque todos têm medo que eu os “ceife” desta para melhor.

Ricardo: E o que é que isso tem a ver com o facto de andar a enviar pessoas famosas para a cova?

Morte: Nada disso. Eles não vão para a Cova da Moura…

Ricardo: Hã?!

Morte: Cova… Cova da Moura… Não?

Ricardo: Menos, Morte… Menos… Estamos aqui a falar de assuntos sérios. Ok, eu compreendo que isso de ser a Morte até seja um ofício solitário, mas porquê levar pessoas talentosas com tantos energúmenos que por aí andam que não fazem falta a este mundo…? Por que não levar esses?

Morte: Ok, eu vou contar-lhe o meu plano… Só porque acho que merece depois de eu lhe ter ceifado o peluche… Bom, é um facto: eu sinto-me muito sozinho. Eu preciso de companhia. Preciso de indivíduos que me entretenham um pouco. Só para eu não me sentir tão sozinho… sabe, para abstrair-me um pouco da vida dura que levo há séculos…

Ricardo: Oh pá, tudo bem. Mas tinha logo de levar o Bowie?

Morte: Sim. Eu adoro o Bowie. Pode parecer um absurdo, mas até o acho muito parecido comigo. Quem não gosta de o ouvir cantar…?

Ricardo: Então e o Alan Rickman?!

Morte: Você por acaso viu os filme de Harry Potter?!

Ricardo: Vi, sim senhor…

Morte: Então estamos conversados.

Ricardo: Então e o realizador Fernando Ávila. Para que é que a Morte quer um realizador?

Morte: Não acabei de dizer que eu ceifei a vida a dois actores — sim, porque o Bowie também era um enorme actor. Sou mesmo mega fã dele! Quem é que coordena os actores? Os realizadores… Acho que neste ponto também estamos esclarecidos…

Ricardo: Hum… Então e o Almeida Santos, caramba? Que mal é que o homem lhe fez? Não podia ter esperado mais um pouco, não?

Morte: Almeida Santos não foi Presidente da Assembleia da República?

Ricardo: Foi, sim senhor. E…?

Morte: E… que melhor pessoa neste mundo para colocar na ordem todas aquelas almas políticas que eu já ceifei e que todos os dias me chagam a cabeça com politiquices sem nexo lá no Além?

Ricardo: Ah, está bem… Bom, ficamos por aqui que eu tenho de ir visitar um amigo meu que está no hospital…

Morte: Ah, o Cajó?!

Ricardo: Sim… Como sabe o nome dele?

Morte: Eu sou a “Morte”, lembra-se…?

Ricardo: Oh, raios… Lá se vai o Cajó…

Isto é que é uma Vida de Cão, hem…