Era uma vez…

Era uma vez… um rapaz de trinta e dois anos que apenas buscava uma coisa muito simples na sua ainda curta vida: tentar ser feliz, fazendo aquilo que mais gostava. Mas apesar de, na sua mente, o rapaz pensar que ainda era jovem, a verdade é que perante a mentalidade absurda e retrógrada da sociedade que imperava no seu país, ele era já considerado como um “trabalhador velho”.

Era uma vez… um rapaz de trinta e dois anos que, todos os dias pela manhã, olhava para o seu velho Cartão Jovem e constatava que, após ter passado a barreira dos trinta, ele já não poderia mais usar o cartão e, por conseguinte, teria forçosamente de abandonar o estatuto de “jovem” que pairava constantemente na sua mente.

Era uma vez… um rapaz de trinta e dois anos que, todos os dias pela manhã, perdia horas em frente ao espelho a rapar todos os pêlos brancos que encontrava na sua cara, assim como a arrancar todos os cabelos brancos que encontrava no seu já curto e bastante limitado couro cabeludo, para tentar omitir a perda do estatuto de “jovem” que começava lentamente a notar-se.

Era uma vez… um rapaz de trinta e dois anos que, todos os dias pela manhã, acordava com a desmotivação inerente de quem tem de ir para um emprego que estava longe de ser o seu emprego de sonho — mas que era a sua única fonte de rendimento —, levando-o a congeminar todo um rol de hipóteses para se despedir para se dedicar ao seu sonho e maior paixão de vida, mas onde todas essas hipóteses rapidamente se esvoaçavam assim que ele pensava nas contas que tinha para pagar mensalmente.

Era uma vez… um rapaz de trinta e dois anos que, todos os dias pela manhã, acordava e relembrava-se de todos os pormenores do sonho que acabara de ter. E que envolvia sempre a hipótese de ele vir a ser um escritor bem sucedido e poder viver dos rendimentos que a sua (suposta) aptidão para a escrita lhe iam fornecendo mensalmente.

Era uma vez… um rapaz de trinta e dois anos que, todos os dias pela manhã, e após sonhar que seria um escritor de sucesso, lá chegava rapidamente à depressiva conclusão que, no seu limitado país, as editoras não “davam a mão” a novos autores, e que isso só aconteceria a troco de um dispendioso valor monetário disponibilizado pelo próprio autor para conseguir editar o seu livro.

Era uma vez… um rapaz de trinta e dois anos que, todos os dias pela manhã, saia de casa para trabalhar oito horas e meia seguidas, mas que, dentro dessas oito horas e meia ele passava o tempo inteiro a sonhar com histórias que assim que chegasse a casa iria tentar transcrever para uma página em branco, mas que depois de chegar a casa só tinha vontade era de se escarrapachar no sofá de papo para o ar, e tentar recuperar forças — que tinham ficado no emprego — e coragem para se sentar em frente ao computador para dar aso às histórias que tinha andado a sonhar acordado.

Era uma vez… um rapaz de trinta e dois anos que era tão azarado na vida, que chegava ao ponto de chegar ao trabalho, pela manhã, com a braguilha das calças completamente escancarada, ser alvo de troça por parte dos colegas e só se aperceber desse pequeno pormenor passadas várias horas, depois de ir à casa-de-banho fazer a necessidade fisiológica número um e perceber que iria ter menos trabalho a abrir a braguilha do que era habitual.

Era uma vez… um rapaz de trinta e dois anos que, continuando na senda do azar, ao tentar retirar um simples café numa máquina automática localizada no refeitório repleto de funcionários da fábrica onde laborava, acabou por ver o copo do café encravado na máquina, ficando sem beber o café e igualmente sem o dinheiro que colocara na máquina — acabando por ser alvo de chacota por parte de vários elementos que compunham a fila para o café.

Era uma vez… um rapaz de trinta e dois anos que, no fim da sua jornada laboral, ficou preso no torniquete de saída da fábrica por não conseguir acertar com o cartão de funcionário no local exacto para que o torniquete se abrisse, forçando a que uma pequena multidão de funcionários ficasse retida atrás de si, à espera que ele finalmente acertasse no alvo, fazendo vários comentários trocistas que levaram a que o rapaz de trinta e dois anos tivesse de abandonar o local por breves segundos e só mais tarde, depois de a multidão de dissipar, voltar a tentar sair.

Era uma vez… um rapaz de trinta e dois anos que escrevia uma crónica semanal denominada “Vida de Cão”, numa revista digital de seu nome Mais Opinião.

Era uma vez… um rapaz de trinta e dois anos que se chamava Ricardo Espada e que, todos os dias pela manhã, se apercebia que tinha uma verdadeira “Vida de Cão”…