Era uma vez no cinema: Steve Jobs

         “Steve Jobs” é um filme envolto em polémica desde o início da sua produção. Inicialmente, foi a Sony Pictures que tentou trazer a cinebiografia de Steve Jobs ao cinema. Para isso, contratou David Fincher, realizador que foi responsável pelo excelente “A Rede Social”, a cinebiografia de Mark Zuckerberg . No entanto, os sucessivos atrasos relacionados com a falta de colaboração de fontes próximas do ex-CEO da Apple, fizeram com que o estúdio desistisse do projecto. A Universal Pictures decidiu tomar as rédeas do projecto, entregando o cargo de realizador a Danny Boyle, cineasta que têm no currículo filmes como “Slumdog Millionaire” e “Trainspotting”. Os problemas estavam longe de ter terminado. Segundo consta, Leonardo DiCaprio e Christian Bale estiveram muito próximos de protagonizar o filme, mas acabaram por abandonar a obra depois de Laurene Powell Jobs (viúva de Steve Jobs) ter-lhes pedido para não aceitarem o papel.  Depois de tantas controvérsias, “Steve Jobs” chegou finalmente às salas de cinema.

           Quando vi o trailer de “Steve Jobs”, um dos melhores trailers do ano, senti que estava perante um dos grandes candidatos aos Óscares. Ainda em estado de choque depois do miserável “Jobs” protagonizado por Ashton Kutcher, vi neste novo filme o potencial para ser uma cinebiografia à altura do génio que era Steve Jobs. Esperava algo do género de “A Rede Social”, um dos melhores filmes da última década, mas estava ligeiramente enganado.

            “Steve Jobs” separa-se em três actos: O lançamento do Macintosh em 1984, o do NeXT Computer em 1988 e o do iMac em 1998. Embora ambas as partes sejam produzidas de forma eficiente e acompanhadas por óptimos diálogos, esta separação é um dos problemas do filme. A diferença temporal entre os acontecimentos (do segundo para o terceiro vão dez anos) fazem com que muita informação seja perdida, e apesar do uso de “flashbakcs” para minimizar isso, é impossível que não se percam detalhes importantes da vida de Steve Jobs. Outro aspecto negativo, originado pelo  afastamento do projecto por parte da família e de ex-colaboradores de Steve Jobs, é a veracidade dos factos ocorridos. A falta de informação e autentacidade da mesma são sempre pontos negativos numa cinebiografia. No entanto, existem vários pontos positivos nesta obra. O argumento da autoria de Aaron Sorkin (um dos grandes argumentistas em actividade) é muito bem escrito, brindando o público com diálogos inteligentes e bem estruturados. O maior exemplo disso é a conversa genial entre Steve Jobs e John Sculley antes do lançamento do NeXT Computer. O excelente desenvolvimento do lado mais pessoal do ex-CEO da Apple é outro dos trunfos do filme. Ao contrário do que é feito muitas vezes em cinebiografias, não existe uma onda de heroísmo a acompanhar o protagonista. O Steve Jobs que nos é apresentado é um homem como qualquer outro, com virtudes e defeitos, más e boas escolhas (o próprio diz no final do que filme que os seus feitos são muito superiores ao seu carácter). Mas se existe algo que enriquece e de que maneira a obra é o seu elenco.

            Depois das desistência de DiCaprio e Bale, Michael Fassbender assumiu o difícil desafio de dar vida a Steve Jobs. Na minha opinião, o actor alemão é um dos grandes talentos da actualidade e este novo filme só reforça a minha posição. Em “Steve Jobs”, Fassbender tem uma das melhores performances da carreira. Ao longo dos três actos do filme é bem visível as mudanças que ocorrem na personagem principal (vimos praticamente três versões de Steve Jobs), algo natural tendo em conta a diferença de anos entre as três partes. A verdade é que estas diferenças só são visíveis quando estamos perante um actor brilhante, que é o caso. No resto do elenco, temos a sempre talentosa Kate Winslet, o competente Jeff Daniels e até um surpreendente Seth Rogen em bom plano.

            No início da crónica escrevi que esperava um “Steve Jobs” forte nesta época de prémios. Se me parece seguro afirmar que Michael Fassbender terá um lugar assegurado nas nomeações ao Óscar de Melhor Actor, o mesmo já não posso dizer em relação à categoria de Melhor Filme, embora seja bem possível visto que o número de nomeados nos últimos anos aumentou significativamente (anteriormente eram apenas cinco filmes indicados ao Óscar de Melhor Filme). Nomeado ou não nomeado, não me parece que seja um dos fortes candidatos a levar a estatueta dourada para casa. Não querendo ser injusto para com o filme, pois trata-se de uma obra acima da média e de qualidade, mas tendo em contas as expectativas que tinha para ele, foi inevitável um sentimento de frustração quando saí da sala de cinema.