Era uma vez no cinema: The Martian

             Sinceramente, nem sou um grande fã de Ridley Scott. Não é que não considere o britânico um bom realizador, pelo contrário, é um cineasta com obras de qualidade no currículo. No entanto, o realizador demonstra alguma inconsistência na sua carreira, entregando-nos muitas vezes filmes no limiar da mediocridade. Por esse motivo, não coloco Ridley Scott no lote dos grandes mestres do cinema (como é o caso de Quentin Tarantino e Martin Scorcese, entre outros). Mas se há género em que Scott realmente se destaca dos demais é na ficção científica. É aqui que o realizador britânico tem os melhores trabalhos da sua filmografia, como é o caso de “Blade Runner” e “Alien”. Em “The Martian”, o realizador consegue o seu melhor trabalho em largos anos.

            Nos últimos anos, fomos contemplados com duas obras de grande nível no campo da ficção científica, estou a falar de “Gravity” e “Interstellar”. Embora “The Martian” não tenha a ambição destes dois , é um projecto que consegue acrescentar algo ao género, sendo um exemplar de entretenimento puro e de qualidade, algo que é difícil conciliar nos dias de hoje por “Hollywood”. A frescura e a originalidade com que a trama nos é apresentada é o ponto chave de “The Martian”. Ridley Scott optou (e bem) por não sobrecarregar o filme com a componente dramática, algo muito pouco usual quando se trata de uma história em volta de uma jornada de sobrevivência. Ao invés disso, “The Martian” é um filme com uma alta componente cómica, o que ajuda a que a narrativa se desenvolva de forma descontraída e eficaz, fazendo com que a sua longa duração (141 minutos) nem seja notada. Este factor também deriva do óptimo trabalho do argumentista Drew Goddard, que consegue criar um argumento que alia a vertente dramática e cómica de forma concisa e acertada. Outro aspecto positivo da obra são os fantásticos cenários em Marte, que são incrivelmente reais, transmitindo a sensação ilusória que o filme é de facto filmado no Planeta Vermelho.

            Um dos problemas de “The Martian” é que não consegue fugir dos clichés já esperados. Embora não atrapalhe no global o saldo final, a verdade é que poderiam ser evitadas algumas situações (a parte dos chineses, por exemplo) que em nada contribuem para o valor da obra. Outro aspecto que não me agradou foi o “climax” do filme. Para além de alguns dos acontecimentos, mesmo para quem não perceba nada do assunto, serem obviamente irrealistas, senti que faltou alguma emoção e tensão no resgate de Watney. O facto de nem sempre ser levado à risca o rigor científico fez com que alguns críticos apontem o dedo ao filme de Ridley Scott. Embora, essencialmente no resgate de Mark, ache que os limites são um pouco ultrapassados, parece-me que é algo que tem uma importância menor visto que se trata de um filme de entretenimento, não de um documentário.

            “The Martian” é um filme totalmente virado para o seu protagonista, por isso muito do sucesso da obra derivaria da escolha do actor que daria vida a Mark Watney. Neste caso, foi uma aposta mais que ganha. Matt Damon dá um autêntico show em “The Martian”! Com todo o seu carisma e talento, o actor facilmente “ganha” o público, fazendo com que cada um viva ainda mais intensamente toda a jornada da sua personagem. A indicação ao Globo de Ouro de Melhor Actor em Comédias/Musicais é um prémio merecido para Matt Damon e quem sabe se não constará nos nomeados ao Óscar de Melhor Actor, se bem que me parece pouco provável. O elenco secundário, embora com participações curtas e pouco marcantes, não deixaram de mostrar as suas aptidões. Menos não se esperava de nomes como Jessica Chastain, Chiwetel Ejiofor, Michael Peña, Jeff Daniels e Sean Bean.

             A obra consta nos nomeados ao Globo de Ouro de Melhor Filme Comédia/Musical e verdade seja dita, tem boas chances de levar a estatueta para casa. Apesar de ainda me faltar ver alguns dos filmes que se apresentam mais fortes nesta temporada de prémios, parece-me que “The Martian” poderá estar entre os nomeados ao Óscar de Melhor Filme. Com 78 anos, o realizador britânico não aparenta querer reformar-se tão cedo, desse modo, resta-nos esperar que os seus futuros projectos sejam pelo menos do nível deste mais recente.