O Escândalo dos Panama Papers

Desde Domingo que um nome invadiu a actualidade noticiosa para nunca mais de lá sair. O quê? Terrorismo? Não, nada disso, isso é tão semana passada! Como se a Bélgica, ou Bruxelas em particular, fossem merecedores da nossa atenção esta semana! Eu referia-me aos Panama Papers! O escândalo com nome de produção cinematográfica (bolas, é que Panama Papers soa mesmo a filme!) explodiu na imprensa mundial e Portugal não foi excepção. Mais de onze milhões de documentos confidenciais vieram provar aquilo que todos sabíamos: a corrupção não só existe como está espalhada pelos mais altos círculos de poder mundiais. Sentiram-se perdidos no meio de tantos documentos, nomes, datas e, acima de tudo, dinheiro? Não desesperem, o “Desnecessariamente Complicado” desta semana explica-vos tudo!

Este assunto é tão complexo e intrincado que torna-se obrigatório ir por partes, passo a passo, para que ninguém fique ainda mais confuso do que aquilo que estava antes de ler esta crónica. Primeiro que tudo: “O que são os Panama Papers?”. Este foi o nome dado a um escândalo de corrupção que foi descoberto graças a 11,5 milhões de documentos a que um grande jornal alemão (“Süddeutsche Zeitung”) e o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (CIJI) teve acesso. “Como tiveram eles acesso a tais informações?”. Pelo meio mais óbvio: devido a uma fuga de informação. “E de onde veio essa fuga?”. Veio nada mais, nada menos, do que da sociedade de advogados Mossack Fonseca. “E onde é a sede desta sociedade de advogados?”. Vá lá, esta é fácil. Então a sede é….no Panamá, exactamente! De onde é que pensavam que vinha o “Panama” em Panama Papers?

Segundo: “Quanto tempo demorou uma investigação desta dimensão e complexidade?”. Como é óbvio foram necessários muitos meios, muito tempo e, acima de tudo, muita descrição e secretismo (afinal de contas estão envolvidos alguns dos principais líderes políticos mundiais e celebridades de alto calibre). A investigação durou um ano e envolveu 378 jornalistas de 107 meios de comunicação em 77 países. Entre os meios de comunicação envolvidos nesta investigação está o “nosso” Expresso (aliás, em Portugal a notícia foi inicialmente avançada precisamente pelo jornal do grupo Impresa).

Terceiro: “O que dizem todos estes documentos?”. Uii, vocês nem sonham o que estes papéis revelam! Sintetizando algo extremamente complexo podemos dizer que mostram como uma rede composta por sociedades de advogados, empresas fiduciárias e grandes bancos usam paraísos fiscais e vendem o segredo financeiro a políticos, burlões e traficantes de droga, bem como a multimilionários, celebridades e estrelas do desporto de elite.

Ou seja, os documentos expõem o método que permitiu a companhias offshore (criadas por essa sociedade de advogados para entidades ligadas a 12 antigos e actuais líderes mundiais) desviar dinheiro e fugir ao fisco colocando dinheiro em 21 dos destinos mundiais onde se podem criar estas offshores. “Calma, mas afinal o que são offshores?”. O termo é amplamente utilizado pela imprensa nacional e internacional mas a verdade é que muito boa gente não sabe o seu significado. Offshores são, na prática, estruturas empresariais que servem de fachada para esconder património e dinheiro. Portanto, quanto mais se tem…mais se quer ter (mesmo que para tal seja necessário cometer crimes dos mais variados tipos).

Os documentos (que contêm informações sobre 214.488 entidades offshore relacionadas com pessoas em mais de 200 países e territórios) fornecem ainda detalhes de operações financeiras ocultas de mais de 128 políticos de todo o mundo e de muitas outras personalidades mundiais.

Quarto: “E qual era a finalidade de todo este dinheiro?”. Como devem imaginar é impossível responder com 100% de certeza a uma questão dessas. Existem algumas pistas da utilidade deste dinheiro, mas só daqui a algum tempo saberemos mais detalhes a esse respeito. Mas estando nós a falar de dinheiro “secreto” é fácil deduzir que servia para tudo desde a simples fuga ao fisco até ao financiamento de crimes de cartéis de droga, exploração de diamantes ou mesmo guerras. Entre os dados já revelados sabemos que algum deste dinheiro esteve envolvido em grandes negócios com cartéis de droga mexicanos, com organizações terroristas como o Hezbollah ou até com os regimes políticos do Irão e da Coreia do Norte. Concluindo? Nenhuma surpresa.

Quinto: “Que políticos e personalidades estão envolvidos neste escândalo?”. Agora sim, chegámos à parte verdadeiramente difícil desta polémica! Antes de mais é preciso compreender que a extensão desta controvérsia não nos permite conhecer para já todos os seus detalhes. Ou seja, o CIJI continua a investigar os tais 11,5 milhões de documentos e promete dar-nos mais novidades no próximo mês de Maio. Dito isto, aposto que se vão arrepender de ter feito essa pergunta, de tão extensa que é a resposta! Mas entre nomes que já conhecemos constam: Mauricio Macri, Presidente da Argentina; Sigmundur Gunnlaugsson, Primeiro-Ministro da Islândia; Petro Poroshenko, Presidente da Ucrânia; Khalifa bin Zayed al Nahyan, Presidente dos Emirados Árabes Unidos e Emir de Abu Dabi; Salman bin Abdulaziz Al Saud, Rei da Arábia Saudita; Bidzina Ivanishvili, Ex-Primeiro-Ministro da Geórgia; Ayad Allawi, Ex-Primeiro-Ministro do Iraque; Ali Abu al-Ragheb, Ex-Primeiro-Ministro da Jordânia; Hamad bin Jassim bin Jader Al Thani, Ex-Primeiro-Ministro do Qatar; Hamad bin Khalifa, Ex-Emir do Qatar; Pavlo Lazarenko, Ex-Primeiro-Ministro da Ucrânia e Ahmad Ali al-Mirghani, Ex-Presidente do Sudão.

Mas pensam que acabou? Nada disso, ainda agora começámos! Desta listam também constam: a esposa, os filhos e a irmã de Ilham Aliyev, Primeiro-Ministro do Azerbeijão; o cunhado de Deng Jiagui, poderoso político chinês; a filha de Li Peng, Ex-Primeiro-Ministro Chinês; amigos de infância de Vladimir Putin, Presidente da Rússia; o pai de David Cameron, Primeiro-Mistro de Inglaterra; os primos de Bashar Assad, Presidente da Síria; o filho de Hosni Mubarak, Ex-Presidente do Egipto; o Secretário Pessoal de Mohammed VI, Rei de Marrocos; os filhos de Nawaz Sharif, Primeiro-Ministro do Paquistão; o filho de John Agyekum Kufuor, Ex-Presidente do Gana; a irmã de Juan Carlos, Ex-Rei de Espanha; o sobrinho de Jacob Zuma, Presidente da África do Sul; o filho de Najib Abdul Razak, Primeiro-Ministro da Malásia; o secretário particular de Néstor Kirchner, Ex-Presidente da Argentina, e mais tarde auxiliar de Cristina Kirchner, também ela Ex-Presidente da Argentina; a viúva de Lansana Conte, Ex-Ditador e Presidente da Guiné e ainda o já apelidado de “empreiteiro favorito” de Enrique Peña Nieto, Presidente do México.

Estão cansados? Sim? Então parem por uns segundos e respirem fundo que isto dos Panama Papers não é para todos! Já está? Vamos continuar a extensa lista de personalidades envolvidas neste escândalo? É que desta lista também constam: Pedro Delgado, Ex-Presidente do Banco Central do Equador; Stavros Papastavrou, Assessor do Ex-Primeiro-Ministro da Grécia; Jérôme Cahuzac, Ministro do Orçamento no Ministério da Economia, Finanças e Comércio Exterior (entre 2012 e 2013) e Vice-Ministro Francês (de 1997 a 2002 e de 2007 a 2012); Zsolt Hórvarth, Ex-Membro da Assembleia Nacional da Hungria; Konrad Mizzi, Ministro da Energia e Saúde de Malta; José Maria Botelho de Vasconcelos, Ministro do Petróleo de Angola; Néstor Grindetti, Ex-Ministro das Finanças de Buenos Aires; Nurali Aliyev, Neto do primeiro Presidente do Cazaquistão; César Almeyda, Assessor do Ex-Presidente do Peru; Kalpana Rawal, Vice-Presidente da Suprema Corte do Quénia; Bjarni Benediktsson, Ministro das Finanças da Islândia; Bruno Jean-Richard Itoua, Ministro da Energia e Hidráulica (de 2005 a 2011) e Ministro da Pesquisa Científica e Inovação Técnica (de 2011 até ao presente) na República Democrática do Congo (RDC); Víctor Cruz Weffer, Ex-Comandante das Forças Armadas (2001) e Presidente do Fundo Nacional para o Desenvolvimento (entre 2000 e 2001) da Venezuela; Jaynet Désireé Kabila Kyungu, Membro do Parlamento da República Democrática do Congo e irmã gémea Joseph Kabila, Presidente da RDC; Abdeslam Bouchouareb, Ministro da Indústria e Minas da Argélia; Ang Vong Vathana, Ministro da Justiça do Camboja; Ólorf Nordal, Ministra do Interior da Islândia; Riccardo Francolini, diretor de três companhias estatais, entre elas a Caja de Ahorros, pertencente ao círculo mais próximo do ex-presidente do Panamá Ricardo Martinelli; Mohammad Mustafa, Conselheiro do Presidente da Autoridade Palestiniana; Ian Kirby, Juiz do Tribunal Superior do Botswana; Pawel Piskorski, Presidente do partido político polaco “Aliança de Democratas” (desde 2009) e Membro do Parlamento Europeu (de 2004 a 2009); Galo Chiriboga, Ministro das Minas e Petróleo (entre 2007 e 2008) e Procurador-Geral do Equador (de 2011 até ao presente); João Lyra, Senador (entre 1989 e 1991) e Membro da Câmara dos Deputados do Brasil (de 2003 e 2007), sendo conhecido por já ter sido o integrante mais rico do Parlamento; Attan Shansonga, Ex-Embaixador da Zâmbia nos EUA (entre 2000 e 2002); Michael Mates, Membro do Parlamento Inglês; James Ibori, Ex-Governador do Estado Delta, na Nigéria; Emmanuel Ndahiro, Ex-Chefe da Inteligência do Ruanda; Jesús Villanueva, Executivo da Petrolífera Estatal da Venezuela; Michael Ashcroft, Ex-Membro da Câmara dos Lordes do Reino Unido; Alfredo Ovalle Rodríguez, Presidente da Associação Comercial Sociedad Nacional de Minería (entre 2005 e 2009) e, por fim, Anurag Kejriwal, Ex-Presidente do Partido “Lok Satta”, no Estado de Delhi, na Indía (entre 2013 e 2014).

Esta terceira ronda foi particularmente cansativa, eu sei, mas ainda nos falta uma quarta, e última ronda, antes de darmos este capítulo dos Panama Papers por terminado. Vamos a isto? São dez as últimas referências, nomeadamente: a neta de Jia Qinglin, um alto oficial do Partido Comunista Chinês; um ex-trabalhador dos Serviços Secretos do Equador, liderado por Rommy Vallejo; o filho de Jaime Rosenthal, Vice-Presidente das Honduras; o filho de Kofi Annan, ex-Secretário-Geral das Nações Unidas; o sócio da mulher de Bo Xilai, poderoso político Chinês; um individuo acusado de fraude juntamente com Marcello Dell’Utri, Ex-Senador Italiano; o cunhado de Gustavo Petro, Membro do Senado Colombiano (entre 2006 e 2010) e Perfeito de Bogotá (entre 2012 e 2015); um indivíduo detido num escândalo de corrupção juntamente com o filho de Abdoulaye Wade, Ex-Presidente do Senegal; a esposa de Miguel Arias Cañete, Comissário Europeu Espanhol para as Acções Climáticas e Energia e, por fim, Idalécio Rodrigues de Oliveira, um executivo que, alegadamente, forneceu dinheiro que foi usado para pagar subornos a Eduardo Cunha, Presidente da Câmara dos Deputados, no Brasil.

Sexto: “E por entre tantos nomes de tantos países diferentes nenhum deles é português, ou tem ligações a Portugal?”. Esta é, muito provavelmente, a pergunta que mais portugueses colocam a respeito desta polémica. Por enquanto apenas é conhecimento público o envolvimento de um cidadão nacional. Quem? Precisamente o último mencionado da quarta ronda de nomes: Idalécio Oliveira. Alegadamente Idalécio controla 14 empresas ‘offshores’ que aparecem nos Panama Papers.  Como foi referido acima o CEO do Lusitania Group é suspeito de pagar subornos a Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, e está também relacionado com a investigação ‘Lava Jato’ (processo igualmente polémico lá para os lados do Brasil e que também tem algumas ligações a Portugal, começando logo por esta, claro).

Mesmo não sabendo mais nomes concretos é certo que entre os Panama Papers estão também 244 empresas, 255 accionistas, 23 clientes e 34 beneficiários com endereço postal português. Ou seja? É apenas uma questão de tempo até surgirem mais informações e sabermos quem são estas empresas, accionistas, clientes e beneficiários. Aposto que muita gente vai dormir mal (ou não vai dormir de todo) com receio do que possa ser revelado por esta investigação jornalística.

Sétimo: “Mas afinal quem é a empresa Mossack Fonseca?”. A esmagadora maioria de nós nunca tínhamos ouvido este nome, como de resto é suposto acontecer neste meio. Esta é uma sociedade de advogados sediada no Panamá especialista em criar offshores, ou seja, abrir empresas em paraísos fiscais. Segundo consta é a quarta maior do mundo nesta actividade, empregado cerca de 600 pessoas e estando presente em 42 países. Foi criada há 30 anos por Ramon Fonseca Mora, advogado de 64 anos, e por Juergen Mossack, que nasceu na Alemanha em 1948 e também é advogado. A Mossack Fonseca nasceu primeiro nas Ilhas Virgens britânicas, considerada um paraíso fiscal, mas depois mudou-se para o Panamá quando as Ilhas Virgens foram obrigadas, sob pressão internacional, a abandonar o sistema de acções ao portador anónimas.

Concluindo: esta fuga de informação criou um oceano de documentos que certamente demorará muito tempo a analisar por completo. Contudo o que já conhecemos vem confirmar o que sempre desconfiámos: a corrupção está instalada nos mais altos cargos políticos europeus e mundiais. A principal surpresa destes documentos é o facto dos EUA, e dos seus políticos e empresários, saírem tão bem na “fotografia”. É certo que em Maio teremos mais novidades dos Panama Papers, e que grande parte desta história ainda está por contar e analisar, contudo parece que por entre dezenas de nomes e milhares de milhões de euros, dólares e sabe-se lá que outras moedas, não há participação norte-americana nesta trapalhada.

Quanto a Portugal…para já o balanço dos Panama Papers até é positivo. Claro que excelente nunca seria, mas dentro das dimensões que atingiu este escândalo Portugal está infinitamente melhor do que tantos outros países (começando logo por Espanha, país que parece estar no centro deste autêntico furacão!). Contudo não deixa de ser irónico que o único português 100% confirmado nesta polémica tenha um nome tão cómico quanto “Idalécio”. Atenção, é um nome como qualquer outro, mas não deixa de ter a sua piada (não me parece difícil de imaginar tal nome num sketch humorístico dos Gato Fedorento, por exemplo).

Maio trará mais novidades, mas até lá importa não esquecer esta polémica e punir exemplarmente os nomes acima citados (escusado será dizer que os poucos acusados que reagiram negaram tudo veementemente).

P.S – Pegando novamente na deixa do início desta crónica: repararam como na semana passada a palavra “Terrorismo” estava estampada em todos os jornais, telejornais e páginas da internet e como essa mesma palavra simplesmente desapareceu agora que surgiu esta polémica dos Panama Papers? Pois….

Boa semana.
Boas leituras.