A escola da democracia – Francisco Capelo

Para se compreender o enquadramento da comunidade artística da 1ª metade do Século XX deve referir-se a mítica Escola Bauhaus, encerrada em 1933 pelo regime nacional- socialista de Adolf Hitler:

” A Bauhaus foi a primeira escola democrática do mundo, não só por se basear no princípio da colaboração, da investigação em comum entre professores e alunos, mas porque a sua fé no progresso, numa sociedade funcional e não hierárquica (e nisto consiste a democracia) prefigurava, na sua própria organização, a estrutura da sociedade democrática do futuro. Para Gropius e seus colaboradores, viver civilizadamente significava viver racionalmente, questionando e resolvendo todos os problemas em termos dialécticos. (…) Por isto , os homens da Bauhaus chegaram à conclusão de que a forma dos objectos e dos edifícios que desenhavam devia ser determinada pela sua função. (…) A perseguição e a acusação de ” arte degenerada ” que o regime de Hitler lançou  sobre a vanguarda artística não foi a única causa do declínio do factor racional na arte contemporânea (…), uma vez que havia algum tempo que outros artistas de vanguarda vinham reivindicando os direitos da intuição na arte e lutavam contra o racionalismo da abstracção geométrica. “

in Arte abstracta e Arte figurativa , Salvat Editora

Devo ainda referir, nesta matéria, dois artistas plásticos e teóricos de excepção que leccionaram na Bauhaus : Wassily Kandinsky e Paul Klee.

O primeiro é o criador oficial da Arte Abstracta Ocidental e as suas obras escritas são a Bíblia da sensibilidade cromática, enquanto que o segundo foi talvez o maior inventor de linguagens gráficas do nosso século, e a simplicidade/ complexidade do seu raciocínio é uma fonte inesgotável de ensinamentos.

A Bauhaus é, a vários títulos, um marco na História das Artes Visuais.

Em alguns anos criou um verdadeiro mito, tendo contribuído para a aceitação e racionalização da loucura típica do temperamento dos artistas, algo que tornava finalmente possível a utilização da criatividade na construção do mundo envolvente:

. Pintura

. Artes Gráficas

. Arquitectura

. Publicidade

. Design de Interiores

Foi muito difícil compatibilizar a genialidade dos seus talentos mais transbordantes, e as vertentes racionalista (arquitectura) e imaginativa (pintura, sobretudo), mas a importância do todo impôs-se a tudo o resto, e criaram-se laços de amizade genuínos entre os artistas que a compunham.

Artistas tão essenciais à Arte Moderna quanto Klee e Kandinsky (que, diga-se em abono da verdade, ainda viviam economicamente dependentes das respectivas famílias – o que é inconcebível, ainda hoje), tiveram a sua oportunidade de ouro de dignificar a sua existência com um salário que TODA a humanidade lhes devia, enquanto génios absolutos de uma arte abstracta ainda a dar os primeiros passos.

Muito há a dizer sobre a excessiva racionalização da “arquitectura bauhaus”. E muito há a dizer, sobretudo pela negativa. Deve criticar-se a falta de imaginação, a monotonia visual que afecta hoje milhões de pessoas em subúrbios lotados de betão, sem alma, idênticos aos dos vizinhos, feitos para racionar recursos e não para permitir a respiração directa da vida. Fica como uma nódoa do legado bauhaus, esta tentativa óbvia de aplicação de conceitos das artes gráficas à arquitectura, e que influenciou de forma tão ignóbil a arquitectura contemporânea.

A nível da teoria da pintura, dos conceitos fundamentais e elementos mínimos do grafismo, as obras Ponto e Linha sobre Plano, Do Espiritual na Arte e Esboços Pedagógicos deram um novo impulso à pedagogia através da arte, essencial na época para estabelecer as bases teóricas do abstracto, e compreender a sua lógica interna.

A Bauhaus é provavelmente o exemplo mais genuíno da democracia pedagógica, e tentar construir uma sociedade baseada apenas em conceitos económicos não é opção, até porque os políticos já reconhecem a importância fulcral da Educação no todo social (apesar da hipocrisia que reina neste meio, fruto da promiscuidade entre a política e o mundo universitário). Mas esse será o tema para um futuro artigo.

 

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O Suspeito do Costume
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