Espero que sejam literalmente engolidos por um hipopótamo – Joana Camacho

Podia falar-vos sobre como derivar uma função logarítmica, ou até explicar-vos a nomenclatura dos alcanos, dos alcenos e dos alcinos, mas não me sinto bem a massacrar-vos os neurónios, nem vos desejo assim tanto mal (ai, que sou tão fofa). Portanto hoje decidi falar: não de Matemática, não de Química, mas sim de Português. Sim, sim: de Português.

– Mas, ó Joana, disso já todos sabemos. Tenho o dobro da tua idade, minha menina! Sabes há quantos anos já falo português?!

Pelos vistos não há anos suficientes.

Considero particularmente trágico que haja por aí gente a desconhecer por completo o significado da palavra “literalmente” – algo “à letra”, que aconteceu na realidade. Eu sei que estamos em crise (juro que é verdade: foi o senhor do telejornal da SIC que me disse), mas tenho de solicitar aos não-gramaticalmente-entendidos que, ao invés de adquirirem comida e outras coisas que não cultivam em nada a inteligência, comprem, por sua vez, um dicionário. De uma vez por todas: se dizem que “morreram literalmente”, das duas, uma: ou a teoria de que os zombies vão dominar a Terra está correta, ou então a vossa gramática é que anda toda trocada. Eu aposto na segunda hipótese, apesar de a ideia dos zombies dominarem a Terra ser bem mais empolgante.

Hoje vou ensinar-vos uma palavra nova: figurativamente. E cá têm mais uma: metaforicamente. Um piano pode cair-vos metaforicamente em cima da cabeça. E figurativamente também. Então e literalmente? Literalmente também pode… só que dói um bocadinho mais. Aleija. Faz dói-dói. Estamos entendidos?

Ainda ontem alguém me dizia: caguei literalmente para ele. Não me levem a mal, mas eu li isto antes da hora de almoço. Como devem imaginar, não é uma imagem bonita de se ter na cabeça minutos antes de se ir comer puré de batata com carne moída. Na verdade, não é uma imagem bonita de se ter na cabeça seja em que altura for. A todos os que alguma vez me disseram isto: desejo que sejam literalmente engolidos por um hipopótamo. E é só o que tenho a dizer.

E ainda diz a minha professora de Português que eu não entendo nada de gramática. Com certeza não andamos a conviver com as mesmas pessoas. Os meus próprios pais padecem deste défice linguístico! (A teoria da adoção faz cada vez mais sentido.) Ainda no outro dia estavam eles a dizer aos amigos que ah, e tal, a minha filha é literalmente uma terrorista. Ora cá está uma novidade. Sou uma terrorista! Bom, espero ser ao menos uma daquelas terroristas como deve ser: que faz atentados e deita prédios enormes a baixo, e tal. Será que já apareci na televisão? Oh! E será que sou procurada internacionalmente pelas autoridades?! Deverei estar preocupada? Bom… parece-me que a única solução é deixar de ir à escola. É o mais seguro. (Não concordas, papá?)

Pronto, era só isto. Agora parem lá com isso. E é bom que estejam todos literalmente cheios de medo de serem engolidos por um hipopótamo, caso vejam coisas literais onde elas não existem. Até à próxima aula de Português. (Acho que sou capaz de ter futuro para a coisa.)

Caras pessoas que me leem: caso, por alguma razão, tencionem subornar a autora deste texto, permitam-me que vos deixe uma sugestão… chocolates. Montes e montes deles.

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A parva lá de casa