Evidência de Paz (1)

O Outono vai chegando e as folhas suspensas asseguram que já é tempo de iniciar a tomada de vitaminas para superar esta fluência de pacifismo dos tempos chuvosos. Nada mais bonito de que ouvir a chuva, chegando em nossa janela, perguntando-nos se gostámos dela tanto quanto do sol; mas é claro que sim! Do lado de dentro, nossas virtudes são despertadas como pequenas reverências à melancolia: o silêncio e o nosso lado – paz falando-nos ao coração e ao espírito; este lado tão bem descrito e apelidado por Pierre Weil (1990, p. 43) em “A Arte de Viver em Paz”. Diz-nos o autor: «Para que um professor possa transmitir a arte de viver em paz a outras pessoas, sejam crianças, adolescentes ou adultos, é necessário que preencha uma condição essencial: ser ele mesmo um exemplo de tudo que transmite”. A paz pode e da existência de uma ‘condição de guerra’ ou de uma condição saudável do desenvolvimento da educação para a paz. Estas duas condições podem verificar-se na TV em filmes como «Mahatma», em exemplos como o de Madre Teresa de Calcutá e em livros categóricos como o de Adrienne Rich (2008), falando-nos de «Uma paciência Selvagem».

Se a paz advém da guerra, subentende-se que existiu desde já uma situação invasiva à liberdade do espírito do ser, limitando-o a condições que o forçaram a admitir a guerra como único meio de salvação. Salvaguardo deste modo as palavras sentidas por Irene Duarte (2011) no respeitante a uma nova noção de democracia – a democracia do «cuidado» e da «responsabilidade», pairando deste modo nas entrelinhas de uma ética de seguridade e respeito por «quem é o outro». Fala-se em paz, como um “objeto” de análise que nos parece num primeiro instante, totalmente universal e impossível de ser desconstruído para análise – e é mesmo. Temos sensações de paz, sentimentos de paz, momentos e condições de paz, quando nós, o outro e tudo o que nos rodeia nos dão um sentido de harmonia. Então o que abnega a paz? Sobretudo a expetativa defraudada e a envolvência com tudo o que envolve a atribulação/frustração do espírito EU-TU. As condições saudáveis do ser constituem o Ser em paz. Desde o ser embrionário, que médicos, psicólogos, musicólogos nos referem na condição maravilhosa de ouvir música agradável ao ouvido da mãe – essa sensação de paz – condiciona um desenvolvimento educado do Ser; mas não só as questões musicais; todo o estímulo prazeroso e humanamente bondoso e saudável à condição de desenvolvimento do ser, enunciam a paz e é a partir daqui que Weil (1990), nos fala de uma ecologia interior e da condição da ‘fantasia separatista’, onde nos vemos separados da verdadeira ecologia natural do ser.

«Segue o teu caminho, que eu sigo o meu; tu não és a pessoa que pensas que sou, tampouco aquela que imaginas que sou, por isso segue o teu caminho e verás que um dia encontrarás alguém que te faça feliz».

 Nos salvaguardamos de expetativas defraudadas, porque é dessa forma que nos livrámos de enfrentamentos reais com que o nosso espírito tem de lidar. Daí iremos ao encontro com tudo aquilo que ‘achámos’ que não nos dececionará: uma paisagem harmoniosa, um livro de caráter estético nos falando de amor, ou uma pessoa cuja energia, já sabemos, se coaduna com a nossa, em determinadas condições, favoráveis às relações de fraternidade. O trabalho interior para educar o Ser (interior – exterior) para a Paz apela a todos os valores humanos universais: o sentido do amor, da verdade, da solidariedade, da amizade, da fraternidade, da compaixão, etc., e o desenvolvimento destes sentidos mais os da educação para a paz são feitos através de métodos de espiritualidade mundiais, sejam eles a oração, a meditação, ou práticas de desenvolvimento interior. Quais são as melhores? Quais são as mais verdadeiras? Quais são aquelas que Deus ouve primeiro? Isso interessa? É a velha questão daquele provérbio índio de «alimentar o lobo bom ou o lobo mau», a opção é nossa, e é essa a liberdade tão feliz que aquando a nossa própria geração, Deus nos possibilitou de ter.

Daí a importância de educar uma árvore com estrutura resistente, onde o treino, a disciplina, o rigor e a evolução de competências possa constar de uma existência universal feliz. No entanto, quando vemos o nosso ser em algum tipo de brilhantismo ou condição “vaidosa”, toda a ilusão, sonho ou condição de vida se defrauda; então, o que fazer? Erradicar a condição mais genuína de sentir a felicidade, quente, bem aconchegante e prazerosa ao nosso coração (admitindo uma atitude hipócrita ou diminuindo o sentimento e manifestações «mais acertadas?») ou ‘achar’ um meio que possa sustentar num «para sempre feliz, eterno e universal» as nossas ilusões, sonhos e ações, sem passar por cima de ninguém, respeitando o caminho de alguém e caminhando, caminhando segundo a segundo, minuto a minuto, na travessia, na praça, no concelho, no distrito, na região, no país, no mundo da felicidade.

«Eu sei que a vida não são rosas»

(Mas por alguns minutos me parece e por 1 segundo pensar, que poderia ser sempre assim, um lado-paz.)

E o som de uma arpa? E o soar do vento? E a cor do céu? E a chama de uma vela? E um sorriso amigo? E um abraço verdadeiro? E um querer-bem sincero? E um abdicar da própria felicidade para doar um pouco de felicidade ao outro? E a sensibilidade e contemplação amorosa?

 E tudo isso estivesse imbuído em todo o nosso ser; sabermos:

 «foi construído, foi realizado com amor, num caráter limpo de obscuridades e falsidades, no perdão das nossas condições mais frívolas, na autenticidade da verdadeira ilusão que sabemos que somos e em amor».

 Mas palavras, palavras vêm e vão; palavras levam-nas o vento.

Bibliografia:

Grácio, Fátima (Org.).(2011). Cuidar a Democracia Cuidar o Futuro. Porto: Fundação Cuidar o Futuro.
Rich, A. (2008). Uma Paciência Selvagem. Lisboa: Livros Cotovia.
Weil, P. (1990). A Arte de Viver em Paz (6ª ed.). Paris: Editora Gente.