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Fiscalidade Verde

Antes de ir ao ponto desta primeira crónica que publicarei semanalmente e de agora em diante neste espaço +Opinião sobre Energias Renováveis e Política Ambiental gostaria de agradecer à equipa editorial deste espaço o terem aceite a minha proposta.

Os antecedentes

Já houve há três décadas uma discussão ampla sobre estes assuntos e inclusive temos hoje em dia várias taxas e impostos que nos são cobrados ao abrigo de tais discussões e de reformas que foram aplicadas ao longo dessas três décadas e recordando a todos aquelas que mais sentimos no dia a dia, pois ou as pagamos quando vamos abastecer o carro – Imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos – quando pagamos a conta da água – Taxas de gestão de resíduos e de gestão de recursos hídricos – ou todos os anos no mês da matricula do carro – Imposto Único de Circulação (antigo Selo do Carro) – e por fim e mais esporadicamente quando compramos – Imposto sobre veículos – um carro.

As primeiras discussões sobre a fiscalidade verde remontam aos primeiros governos constitucionais e reconheço que esse trabalho foi efectuado por quem nem é da minha área política e ideológica, o Eng. Carlos Pimenta que teve o grande mérito ao lançar as primeiras discussões em 1983 que culminaram com a aprovação, por unanimidade na Assembleia da República, da Lei n.º 11/87 de 7 de Abril de 1987, a primeira Lei de Bases do Ambiente que foca as três componentes fundamentais com as quais se deve revestir de uma verdadeira fiscalidade verde.

Por um lado fala não só na existência de impostos e taxas, como também no lançamento de incentivos fiscais para a gestão da paisagem ou para o incentivo da reciclagem e por fim lança o uso de taxas com o intuito de punição e contra-ordenação de forma a inibir os infratores. Pois bem é nesta tripla que tem que assentar uma verdadeira fiscalidade verde.

Até então já tinha havido algumas maneiras desencontradas de criar alguns instrumentos pelo menos na área contra-ordenacional mas no fundo quando falamos de fiscalidade verde temos que ter em conta estas três vertentes.

O que existe

Com a evolução da nossa sociedade e também em parte por imposições europeias as três áreas referidas evoluíram num sentido amplo do termo e para uma miríade enorme de campos, não havendo nenhum campo tanto no sector económico como no âmbito do consumo que escape à fiscalidade verde.

Admito que às vezes se torna complexo percecionar as múltiplas realidades ao abrigo deste assunto e que para alguém leigo esta complexidade é inimiga até de uma discussão saudável que deve ser tida e partilhada por e com todos. Ajudava que houvesse um portal com esse intuito, infelizmente não há mas o relatório preliminar que a Comissão para a reforma da fiscalidade verde produziu faz um resumo razoável sobre que pontos do sistema fiscal português toca a fiscalidade a que chamamos de verde, assim e a partir da página 104 do mesmo, podemos ver que não há nenhum dos grandes impostos (IRS, IRC, IVA, IMI, IMT) que não seja tocado por esta área e que no âmbito de tributos relacionados especificamente com o ambiente podemos contar com 20 impostos, contribuições, taxas e licenças ligadas directamente à fiscalidade verde.

O edifício jurídico que atualmente existe foi infelizmente cortado e esvaziado de sentido nos últimos anos pois não faz sentido, num país que não possui nenhum recurso energético endógeno, a não existência de incentivos ao uso e há instalação de energias renováveis e nem adianta ter diplomas que incentivam a implantação de equipamentos de energia renovável se as licenças para a implantação dos mesmos estão congeladas ou todos os projetos que haviam nesse campo nenhum avançou. O que é que adianta termos os impostos e taxas ou contra-ordenações e multas se nos falta à tripla o campo de incentivos? Uma verdadeira fiscalidade verde é totalmente coxa e sem sentido quando o campo dos incentivos pura e simplesmente não existe ou essa existência foi congelada com intuitos orçamentais pouco claros e completamente obscuros!!!

O que se pretende implementar com esta reforma de 2014

 

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Fazendo um breve historial inicial de como se chegou a esta reforma, em 29 de Janeiro deste ano o novo Ministro do Ambiente, conjuntamente com o Secretário de Estado para os Assuntos Fiscais nomeou uma Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde esta tinha como objetivos elaborar até 30 de Junho um Anteprojeto de Reforma da Fiscalidade Verde o mesmo foi submetido a discussão pública durante o qual algumas dezenas de entidades em sede desta contribuíram para o resultado final que foi o Projeto de Reforma da Fiscalidade Verde este deu origem há Proposta de Lei da Reforma Fiscal Verde que foi apresentada pelo Governo há comunicação social e Assembleia da República no mês passado e que vai ser discutida nos próximos quinze dias no parlamento.

Em traços gerais a reforma foi apresentada como sendo neutral fiscalmente e como é que é neutral? Alega o governo que os 140 M € de receita liquida gerada servem para abater no desagravamento do IRS pelo quociente familiar, já no próximo ano.

Pois bem e eis aqui o primeiro problema importante nesta abordagem é que o maior aumento de impostos nesta dita reforma da Fiscalidade Verde, ou seja 95 M €, incidirá na Taxa de Carbono sobre os sectores não CELE – que não estão incluídos no Comércio Europeu de Licenças de Emissão – em termos gerais nos combustíveis de venda ao público, nas refinarias, nas instalações de produção de energia elétrica (não renováveis), nas instalações produtoras e armazenadoras de GPL e nos armazenadores e distribuidores de gás natural. Serão então os consumidores em termos gerais, sejam estes coletivos e/ou singulares e neste ultimo âmbito não apenas aqueles que necessariamente têm famílias que serão mais afetados, deste modo cai por terra a teoria da neutralidade fiscal, pois para se beneficiar uns poucos – umas poucas centenas de milhar de agregados – agrava-se os preços à generalidade da sociedade e a todo o setor económico!!!

E esta analise de principio é válida para o segundo maior aumento de impostos previsto nesta fiscalidade verde, o aumento sobre o ISV – Imposto Sobre Veículos – se bem que neste campo é limitado apenas a quem compra veículos novos e neste âmbito em mais de 90% a quem compra veículos ligeiros a gasóleo, serão neste caso as empresas a suportar este aumento brutal do ISV pois são as compradoras da esmagadora dos carros referidos.

Podemos ver aqui marginalmente um efeito indutor de consumo, ou seja, uma tentativa do governo de ao penalizar as empresas pela Taxa de Carbono e/ou pelo aumento do ISV que estas optem por soluções mais ecológicas tanto na produção, distribuição de eletricidade como na mobilidade, o problema é que tal visão é sempre contrariada pela realidade e quem irá necessariamente internalizar parte dos novos impostos mas também repercutir uma grande parte dos mesmos nos preços finais a todos os consumidores serão as mesmas que vêm apenas e de forma marginal crescer alguns incentivos – uso de carros elétricos e uso e implementação de sistemas de bike-sharing e car-sharing através de deduções no IRC – e deduções no IVA – na aquisição, ao fabrico, à importação, à locação, à utilização, à transformação e à reparação das viaturas.

Nos efeitos de indução de consumo, ou seja, tentar levar através de meios fiscais o consumidor a modificar um comportamento, temos como medida de charneira apresentada por este governo com grande pompa e circunstância a taxa sobre os sacos de plástico, refere o governo, que cada português gasta em média, por ano, 466 sacos de plástico, e que um custo adicional de 8 cêntimos por saco (na realidade serão 10 pois sobre a taxa incide IVA) visa promover um comportamento verde e atingir o nível máximo de 50 sacos por pessoa em 2015. Mas este é que é o problema se e bem a taxação irá diminuir nos primeiros meses o uso de sacos plásticos, também se sabe que muitas vezes esses comportamento são internalizados pelos consumidores, ou seja, assumidos como necessários na ida ao supermercado e que a médio prazo e sem nenhum incentivo tal desuso será retomado e/ou nem sequer levado em conta, por exemplo e há cerca de um ano atrás o PS apresentou uma proposta de lei que visava não só a taxação desse uso – como vemos nem aqui o governo foi inovador – como incentivava através de um desconto à taxa o uso de saco próprio, deste modo o consumidor ao sentir o efeito levaria com certeza o seu saco porque psicologicamente sentir-se-ia motivado para o fazer, a punição em termos de consumo é limitada pelo tempo, como são aliás todas as punições em que não haja do outro lado algum incentivo, deste modo esta medida visa apenas angariar receitas.

Um dos poucos aspetos positivos desta taxação, da receita proveniente da tributação dos sacos plásticos, é o reforço de em mais de 15% do Fundo de Conservação da Natureza, para financiar projetos nos municípios que integram áreas classificadas, nomeadamente, através do programa NATURAL.PT. E é daqui e da taxa de Gestão de Resíduos – mais 2,5 M € – que vem o tal aumento e reforço de verbas do Ministério do Ambiente e não da assunção do governo deste sector como prioritário, pois o corte de verbas neste Ministério e nos quadros e meios de fiscalização da APA – Agência Portuguesa do Ambiente – e no ICNF – Instituto Conservação da Natureza e Florestas – tem tido um efeito nefasto em várias áreas, não se prevendo que tal situação mude e apenas se agrave com a saída projetada de mais de 100 funcionários deste Ministério no próximo ano.

Como já referi também será aumentada a Taxa de Gestão de Resíduos, com um encaixe de mais 2,5 M €, com o objetivo de reduzir a quantidade de depósitos em aterro, medida que considero positiva não fosse ter um problema no cumprimento desse objetivo, é que essa redução já não está nas mãos de nenhuma entidade pública e por esse motivo todo este valor se repercutirá na fatura ao consumidor, pois não é credível que a SUMA que comprou por uma bagatela, o grupo EGF – Empresa Geral do Fomento – por um valor que ronda os lucros de um ano, os mais de 50% de 11 sistemas de gestão de resíduos multi municipais que esta empresa geria – e que pagará o seu investimento em dois anos – venha a incentivar por um passe de mágica e nos próximos anos em que estará a tentar pagar o pouco que investiu a redução da quantidade de depósitos em aterro e que o faça também nos anos seguintes pois a cobrança desta taxa aos municípios é a par da produção de eletricidade e do reencaminhamento e venda de resíduos para a reciclagem uma das suas três grandes fontes de receita. Ninguém investe para ver cortada uma parte da sua receita, tal lógica irá apenas fazer aumentar as taxas cobradas aos municípios que farão incidir sobre nós consumidores tal aumento.

Efeitos

Deste modo a Fiscalidade Verde que aí vem foi, como se diz popularmente, “uma montanha a parir um rato” pois nenhuma das suas grandes medidas terá um efeito real e indutor no consumo nem tem nenhum real objetivo de aumento da proteção do ambiente e em termos de incentivos pois continuamos iguais, apenas tenho como positivo o retomar do abate de veículos em fim de vida esse sim um dos poucos incentivos que comprovadamente resultaram até à sua extinção em 2011 com a entrada em funções deste governo, reconhecer um erro é de si já um grande feito.

Deste modo não se percebe onde se irá buscar os tais dividendos que são anunciados, pois nenhuma das medidas visa proteger o ambiente e reduzir a dependência energética do exterior, pois continua sem funcionar – não se precisa de inventar nada de novo pois todos os mecanismos já existem – nenhum dos incentivos à construção e licenciamento de projetos neste âmbito, o silêncio sepulcral de nem sequer se falar neste sector espelha as reservas mentais e ideológicas que se tem em relação a este sector, nem a medida tímida da adoção de um prazo máximo de vida útil de 25 anos, a que corresponderá um prazo mínimo de vida útil de 12,5 anos de período de amortização, de equipamentos eólicos e fotovoltaicos para efeitos de IRC terá algum efeito pois esse prazo serve de pouco se o beneficio de produção de eletricidade por energias renováveis for nulo e o licenciamento de projetos estiver praticamente congelado. Para além disso ainda se mete o ónus nos municípios ao referir que caberá às freguesias a redução, em 50%, sob proposta destas do IMI de prédios rústicos integrados em áreas classificadas, que proporcionem serviços de ecossistema, está-se mesmo a ver tais propostas a choverem num ano em que as verbas para estas foram congeladas, tal como também se está a ver que as Câmaras irão aplicar religiosamente a atribuição da receita da derrama das empresas atendendo ao impacto da exploração de recursos naturais ou do tratamento de resíduos – isto se o volume de negócios da empresa for resultante, em mais de 50%, da exploração de recursos naturais ou do tratamento de resíduos – pois sendo a derrama atribuída ao respetivo município no ano seguinte vendo-se privado dessa verba no ano anterior e com os constrangimentos que estes defrontam veremos também uma corrida à atribuição desses incentivos!!!

Também não se percebe como é que irá fomentar o crescimento e emprego, ao aumentar-se brutalmente os custos às empresas, seja na compra de gasóleo, de carros a gasóleo do aumento dos custos de eletricidade e de resíduos. Se não provocar mais falências e despedimentos em empresas que vivem à volta da logística e mobilidade já teremos muita sorte!!!

Já a redução dos desequilíbrios externos nomeadamente na importação de combustíveis fósseis a menos que se dê algum evento não previsto não se antevê como é que o aumento das taxas de carbono inibe o país de importar combustíveis, pois a sua redução só acontecerá se houver um claro aumento da produção de energia por fontes renováveis, como quase nada é referido nesse âmbito com real impacto, não se percebe onde é que haverá alguma alteração/evolução ao que aconteceu nos últimos três anos.

De facto o único efeito positivo é que contribui para a responsabilidade orçamental pois aumenta os impostos em mais de 148 M €.

Possível solução

Não se pode olhar para a fiscalidade verde como um conjunto de ideias fracionadas, sou defensor de uma visão global e total de um futuro sistema e a proposta que apresentei com alguns camaradas no Refundar.pt e nas propostas e medidas para a área económica – ponto 19.º – espelham e resumem de forma curta e global o que eu penso sobre este assunto: “Apostamos numa fiscalidade verde ampla e condizente a um maior equilíbrio entre a atividade empresarial e o meio ambiente, forçando por esta via uma maior sustentabilidade, adotando o principio do poluidor pagador que servirá de imposto negativo. É fundamental desincentivar a manutenção e criação de atividades poluentes. Este Imposto substituirá, no todo ou parcialmente, outros impostos (ex: Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos) e taxas (taxa do Ponto Verde) e será progressivo, escalonado e aplicado de forma geral a todas as empresas e sectores de atividade. Será obrigatório e reduzido até 75% (do total do imposto) se as empresas e empresários adotarem métodos sustentáveis e eficientes ecologicamente, valendo cada item adotado uma percentagem especifica e clara, poupando deste modo ao estado e à sociedade o gasto que teria pela não adoção dessas medidas.”

Fica claro que eu acho, bem como os dois camaradas que lançamos este conjunto de ideias – Jaime Freitas e Marinho Osório – que embora o consumidor tenha um papel importante, a fiscalidade verde tem que englobar uma visão empresarial e incentivar as empresas através de poupanças reais e de âmbito gradativo a adoção de medidas que visem não só a eficiência energética – que se tornou agora na nova moda – mas uma real poupança ao ambiente e ao país quer seja pela adoção de consumos mais sustentáveis quer seja pela a adoção e implementação de sistemas de fornecimento energético renováveis e ecológicos de modo a evitar que o país importe combustíveis quer para a produção de energia quer para o seu uso em veículos, pois é esta importação que causa em grande parte o desequilibro na balança de pagamentos que temos no presente e que iremos ter se não alterarmos os nossos comportamentos.

Saudações ecológicas,

.’.SP.’.