Horror e videojogos: do medo à amnésia – Francisco Duarte

A busca de emoções tornou-se numa importante parte da nossa sociedade. À medida que os seres humanos se aglomeravam em sociedades cada vez maiores, e o mundo vivo deixava de ser uma ameaça, e iniciava tornar-se numa vítima da crescente industrialização, as ameaças arcanas que evoluímos para contrariar iam-se tornando realidades cada vez mais distantes. Nesse contexto, criou-se um vazio de estímulos que procurámos preencher com diversas actividades. Hoje em dia desportos radicais e outros tipos de actividades extremas surgem como uma resposta a essa necessidade.

O cinema rapidamente se tornou numa fonte de estímulo. Filmes de terror sempre corresponderam a um género bem-sucedido. A ideia era fazer as audiências saltarem nos seus assentos perante as situações terríveis que os personagens viviam na tela. Ainda hoje em dia alguns filmes da era dourada do terror, os velhos anos 40 e 50, são reverenciados como obras de culto. Falo de películas como “A Pantera” e “A casa maldita” (este último sendo dos anos 60, mas num estilo reminiscente de clássicos anteriores). Mais recentemente surgiram alguns clássicos influentes, como “Veio de outro mundo” (o famoso “The thing” de John Carpenter) ou “Poltergeist”. Evidentemente que, com títulos tão reconhecidos, e sendo este um género tão prolífico no cinema, que a jovem indústria dos videojgos procurou, desde cedo, emular este sucesso recorrendo aos estilos e técnicas dos filmes.

Os primeiros jogos de terror, não obstante o seu sucesso então, e eventual estatuto de culto, eram limitados pela tecnologia presente na época. Títulos como “Haunted House” (1982) e o famoso “Resident Evil” (1989) remontam aos anos 80 e iniciaram aquele que se tornou num sub-género bastante bem-sucedido nesta indústria. Contudo, os progressos tecnológicos dos últimos 15 anos permitiram que as premissas existentes nesses primeiros títulos realmente ganhassem asas e se tornassem em experiências tão ou, sobretudo, mais intensas que aquelas que podemos conseguir olhando para uma tela. Isto devia-se a revolucionários salto tecnológicos nos gráficos e no som, que tornaram muito realistas nos últimos anos.

É nesta altura que irei admitir que este é um texto profundamente pessoal. Devido a vários motivos, não poderei aqui falar dos diversos videojgos de terror que saíram nos últimos anos. Posso, sim, falar daqueles que tive a oportunidade de experimentar e dizer porque funcionam, ou não. Espero que seja um bom ponto de partida para uma mais ampla e interessante discussão sobre a temática. E porque acho que convém ao leitor ter uma ampla noção daquilo de que quero falar, aproveito aqui, também, para fazer uma lista dos títulos em que me irei focar: “Half-Life” (1998), “FEAR: first encounter assault recon”(2005), “Ex Mortis” (2004), “Ex Mortis II (2006), “Dead Space” (2008), “Nightmare House” (2010), “Slender: the eight pages” (2012)  e “Amensia: the dark descent” (2010).

“Half-life” será uma escolha honestamente interessante para esta discussão. Não é, a bem dizer, uma obra de terror, essas virão daqui a pouco. Conta para a discussão, primeiro, porque trouxe ao mundo um dos motores mais fáceis de manipular da sua época, um híbrido entre o motor do “Quake” e o do “Quake 2”, ambos já muito utilizados para criar jogos pelo mundo fora. Foi o início de um verdadeiro movimento cultural, conhecido como modding, em que fãs e entusiastas criavam jogos a partir das ferramentas disponíveis em jogos oficiais, e criavam os seus próprios conteúdos, muitas vezes com uma qualidade verdadeiramente profissional, e fazem-no de graça, disponibilizando-o para a Internet, para qualquer interessado desfrutar. Tal realidade será importante mais adiante. Contudo, a nível pessoal, este terá sido um dos primeiros FPS (first person shooter, jogo de tiros na primeira pessoa) que tive a oportunidade de jogar. Na altura sendo pouco mais que uma criança, alguns dos ambiente aterrorizaram-me, não obstante os gráficos agora totalmente datados. Posso dizer que foi assim que ganhei o gosto aos videojogos de terror e ao incrível poder que possuem.

Um bom exemplo deste poder pode ser exemplificado no FPS da Monolith, “FEAR”. Sendo um jogo de tiros muito eficiente, com grande quantidade e variedade de armas e inimigos, é, igualmente, uma incrível experiência de horror. Sendo uma espécie de “Rainbow Six” vs “The Ring: o aviso”, usa os elementos de ambos os conceitos de modo inteligente, criando situações que põem o coração aos pulos. Veja-se que o videojogo de horror tem uma grande vantagem sobre o cinema equivalente: a interacção. Videojogos são entretenimento interactivo, definido pela qualidade da imersão do jogador nos mundos de fantasia que criam. Assim, se estamos a viajar por uma instalação assombrada, o modo como a jogabilidade vai apresentar as situações torna-se muito importante.

O ambiente é fulcral. Como animais diurnos que somos, temos medo da escuridão, daí que esta seja tão usada neste tipo de histórias. Estes corredores escuros também podem estar vazios de vida, criando aquele isolamento impossível de ignorar, qual pesadelo, batido por uma banda sonora que empurra contra os nossos ouvidos sons que nos fazem desconfiar, inclusive, das tubagens e dos caixotes de lixo. Ficamos totalmente imersos neste mundo, de gráficos avançados, e quase realistas em certos aspectos. E assim descemos umas escadas de acesso, vulneráveis porque temos as mãos nos degraus, e as armas guardadas. E aqui surge o fantasma ou a visão do Inferno, quando nada podemos fazer para nos defendermos ou reagir, senão continuar a descer ou subir, fugindo daquele perigo impossível. Sentimos o nosso coração bater com mais força, porque naquele momento não conseguimos distinguir a fantasia da realidade, e o susto funciona.

Não quero aqui dizer que nunca consigamos saber que estamos a viver uma fantasia. Com as mãos reais sobre o teclado e o rato, os olhos fixos no monitor, seria impossível que estivéssemos totalmente desligados do real em nossa volta. Mas as nossas mentes gostam de ser enganadas, gostam destes estímulos, e aceitam-nos como realidade quando fantasia e emoção de conjugam num único momento de bom entretenimento.

Mas, como referido, “FEAR” é um FPS, o ambiente ajuda, mas continua a ser uma obra de violento confronto com os nossos inimigos. E se o jogo for apenas o ambiente? É aqui que entra “Ex Mortis”, um simples jogo desenhado em Flash (é apenas uma experiência, ainda não um dos mods que falei à pouco). Tendo-se tornado num inesperado sucesso viral na Internet, este simples jogo vive apenas e só do ambiente sinistro dos seus cenários, e de um bom argumento. Contrariamente aos exemplos anteriores, “Ex Mortis” é um jogo de aventura, também vemos pelos olhos do personagem, mas os cenários são estáticos, e temos que clicar com o rato nos objectos em nosso redor para resolver os puzzles. Não existe confronto, não directo, pelo menos, e tudo depende de conseguirmos que nosso personagem escape de uma sinistra casa abandonada. Este jogo foi tão bem-sucedido, inclusive, que gerou duas sequelas, apesar de só irmos falar da primeira. Isto porque, apesar de conseguir alguns sustos, a sequela falha onde o original teve sucesso.

(Esta análise continua para a semana)


Crónica de Francisco Duarte
O Antropólogo Curioso