A ironia da vida

Vim sentar-me na varanda à procura de inspiração para escrever qualquer coisa minimamente digna de ser publicada. Não foi preciso procurar muito para me deparar com um cenário que considero bastante estranho. A trezentos metros de mim está uma mulher a passear um gato com uma trela. Enquanto deixa o bichano a tratar dos assuntos dele, está agarrada ao telemóvel a escrever qualquer coisa. E o gato olha para todos os lados a perguntar-se, provavelmente, onde estará a sua caixa de areia.

Eu tenho uma gata. Tem quase quatro anos. Vi-a chegar à loja de animais e não a deixei ficar por lá mais de vinte minutos. O rapaz trouxe-a embrulhada num molho de guardanapos. Eu tinha acabado de perder duas gatinhas pequeninas e o meu coração pedia outro animal para amar incondicionalmente. “Quanto custa a gata?” “Não tem qualquer custo. Só tem de comprar acessórios e/ou comida no valor de dez euros” “Mas eu já tenho isso tudo, não dá para levar só a gata?” “Não”. Eu e a dona da loja tivemos um pequeno desentendimento quanto ao significado da palavra “gratuita”. Mas eu já tinha os olhos postos na gata e deixei na loja a única nota que tinha na carteira. Na altura ainda estava a tirar a carta e vim com a gata agarrada ao meu ombro, assustada com o movimento dos carros na rua e a sentir falta dos guardanapos onde vinte minutos antes tinha chegado tão aconchegada.

Quando chegámos, pousei a gata no chão e deixei-a conhecer a casa. Estava na altura de lhe dar um nome. E esse momento assusta-me sempre. Eu não consigo dar nomes a animais quanto mais a pessoas. Chego a temer ter um filho com medo de o marcar negativamente para o resto da vida com um nome ridículo.

Comecei a tentar chamar-lhe nomes carinhosos tendo estabelecido desde logo uma regra: “quando eu te chamar um nome e tu olhares, é assim que te passo a tratar”. Chamei-lhe “pantufa” e ela não olhou. Pensei: “esta é inteligente”. Chamei-lhe fofinha, também não olhou. Chamei-lhe mais meia dúzia de nomes queridos até me irritar com a falta de interessante por parte dela. “És muito Pêga”, disse eu já com os nervos em franja. E a burra olhou. Fitou-me de olhos arregalados sem perceber que lhe tinha chamado um nome que nunca lhe assentará bem.

Há dois dias entrou em cio. Decidi ter uma conversa séria com ela. Sentei-me e esperei que ela parasse de roçar-se nas tomadas. Quando finalmente teve a decência de sentar-se à minha beira, disse-lhe algo deste género: “Pêga, a vida é cheia de ironias. E, apesar de teres o nome que tens, vais morrer virgem. Estamos entendidas?”

Não pensem mal de mim. Não teria qualquer problema em fazer o mesmo que os homens de antigamente quando levavam os filhos a uma casa de meninas para se tornarem adultos. Mas, neste caso, corria o sério risco de me chamarem maluca quando me vissem a passear a minha gata à procura de um gato disposto a oferecer os seus préstimos. Já para não falar que tenho um problema crónico: apego-me demasiado aos animais. Não tardava muito e estaria igual à senhora dos Simpsons cujo número exacto de gatos que esta possui é, até hoje, desconhecido.

E com esta conversa toda, a senhora já vai levar o gato a casa. Escusado será dizer que o bichano não satisfez nenhuma das suas necessidades fisiológicas. Teria sido mais inteligente levá-lo a um parque infantil com uma caixa de areia. Acho que é o sonho de qualquer gato.

BárbaraBorralhoLogoCrónica de Bárbara Borralho
Riso sem siso