Isabel

Assentava-lhe, tão bem como a um dia de calor uma cerveja gelada, o vestido verde de linho que tinha posto no dia em nos conhecemos e só resolveu vestir dez anos mais tarde, quando, temendo aproximar-se uma mulher mais nova, lhe apeteceu reatar a relação no ponto onde em sua opinião eu tinha deixado de achá-la sensual.

Vivia-se o que ficaria para a posteridade conhecido pelo verão quente de mil novecentos e setenta, mas só pela particularidade das temperaturas altas mesmo para aquela época do ano. Entre portas, a vida política nacional era uma pasmaceira e nem a recente morte de Oliveira Salazar rompera o bloqueio imposto por um regime de governação que, a quem tinha a coragem de o afrontar, mandava decapitar como se fossem avessos ao ideal de fraternidade entre os povos que os franceses saídos da revolução do século dezoito se alegraram por anunciar ao mundo.

Traváramos conhecimento um ou duas semanas antes, na casa de campo do pai de uma amiga do primo dela, que se chamava João, e andava exilado em França, num subúrbio da capital gaulesa de onde Mário Soares opinava sobre oque se passava por cá, como se, quando regressasse, não planeasse tornar-se Primeiro-ministro da nação para não ver reverter-se a situação e poderem vir a criticá-lo tão asperamente como ele gostava de fazer aos outros.

O nome dela é Isabel e se bem me lembro possuía olhos de felino em que os meus se refletiam, como se o estado de alma que eles espelhassem fosse o meu e não o dela, cintura elegante, um peito insinuante e uma forma de andar que insinuava tratar-se de uma mulher muito segura de si, apesar de ser bastante jovem.

Vestia-se bem, como quando ia deitar-se, com a sua melhor indumentária e muito bem penteada, não fosse encontrar-se, quando passeasse na rua, com um rapaz que achasse interessante ou, então quando estivesse a dormir, cruzar-se com um príncipe de sonho que a convidasse a montar com ele um magnífico cavalo branco.

Sem temor do que pensassem, falava pelos cotovelos, sem receio do que, sempre que me contava a mesma história mas de maneira diferente, eu pudesse conferir-lhe outra interpretação. E se nem sempre era acompanhadas de um beijo que vinham todas as declarações de amor que me fazia, era só talvez porque para ilustrar melhor o que tão bem dizia, o natural seria que tivesse de exemplificar com uma demonstração maior de afeto como um ato explícito de intimidade sexual.

Para meu gáudio, divertíamo-nos a fazer amor como acrobatas, em todas as divisões da casa onde vivia com os meus pais, desde que nas proximidades houvesse uma cama ou um colchão que permitisse no fim repousar o esqueleto, para diante dos pais dela, quando de carro a levasse a casa, vendo-me de pernas trémulas eles não pensarem erradamente que tinha estado a beber álcool até acabar embriagado.

Ao fim de namorarmos havia poucas semanas, experientes nestas andanças já andavam os nossos dois corpos que, enleados um no outro, como se quisessem sobrepor-se mutuamente para ocuparem o melhor lado da cama, chegavam a parecer maiores e mais pesados, sobretudo o dela a julgar pela minha cara de esforço, não contente por fazer o que estivesse ao meu alcance para satisfazê-la.

Namorámos e fomos viver juntos, até ao dia em que ela tanto de aperaltou para me impressionar que outro sujeito veio em meu lugar e se abotoou com ela, como se na casa em que entrou sem estar autorizado, já lá não morasse eu há tempo suficiente para saber que certas coisas, por mais desagradáveis que sejam, não acontecem somente aos outros.

Deixámos de nos ver e falar, mas no perfil dela do facebook, vi recentemente fotografias de umas férias em que fomos os dois numa viagem de sete dias ao arquipélago dos Açores, numa altura em que só não acedi ao convite de uma camareira para dormir, por respeito a nos encontramos na fase em que, na tentativa de me reconquistar, ela decidiu tornar a vestir o tal vestido verde de linho onde já mal cabia porque ou ele encolhera ou ela aumentar de volume.

Talvez tenha sentido saudades de mim … ou não, porque provavelmente nada resta que me recorde. Dos sapatos caros aos vestidos que lhe ofereci. Duvido de que reste algum dentro armário que abre todos os dias para se embonecar antes de sair à rua. Se evoluiu fisicamente no sentido que vinha demonstrando muito antes de eu ter perdido o interesse por ela, há muito tempo devem ter deixado todos de lhe servir.