José Sócrates foi detido pelo super-juiz Carlos Alexandre

Ora isto é que foram uns dias agitados não é verdade? Para os mais distraídos vou resumir, de forma breve, o que na realidade é algo bem complexo: na noite da passada sexta-feira o jornal SOL noticiou em primeira mão que o ex-Primeiro Ministro José Sócrates havia sido detido à chegada ao aeroporto de Lisboa pela suspeita dos crimes de branqueamento de capitais e corrupção. Pouco depois ficámos a saber que, no âmbito do mesmo processo (“Operação Marquês” como saberíamos mais tarde), haviam sido detidas anteriormente outras três pessoas: Carlos Santos Silva (amigo de longa data de José Sócrates e ex-administrador do grupo Lena), Gonçalo Ferreira (advogado) e João Perna (motorista do ex-Primeiro Ministro). Outro facto digno de registo foi a identidade do juiz de instrução do processo: Carlos Alexandre (também conhecido como “super-juiz” ou “Juiz sem medo”). A notícia espalhou-se e, graças ao Correio da Manhã e à SIC, tivemos acesso a imagens exclusivas da saída de Sócrates do aeroporto dentro do carro da polícia. E, num ápice, Portugal era notícia um pouco por toda a Europa (desde o El País à BBC todos os grandes meios de comunicação estrangeiros destacaram este caso). E se a acérrima defesa que a deputada Isabel Moreira fez das subvenções vitalícias tinha colocado o PS na linha de fogo, esta detenção do ex-líder do Partido Socialista só veio piorar ainda mais a situação. É caso para dizer: boa sorte António Costa. Parece que vais precisar.

Vamos à cronologia dos acontecimentos. O ex-líder do PS é detido assim que sai do avião, no aeroporto da Portela, seguindo de imediato para a garagem do edifício. Aí, entra num carro descaracterizado, e segue directamente para o Comando Metropolitano da PSP, em Lisboa, onde passará a noite. Apesar de a operação ser secreta (e estar protegida pelo segredo de justiça) pelo menos dois meios de comunicação social estavam presentes. Ou seja, ou os jornalistas adivinharam ou foram informados de que a detenção iria acontecer. E como a primeira hipótese é sobejamente irrealista sobra-nos a segunda. Contudo estamos em Portugal, logo tudo isto é completamente normal.

Ainda antes de se tornar no novo Secretário-Geral do PS António Costa fez questão de marcar uma posição e dirigir-se aos militantes do Partido Socialista dizendo: “Os sentimentos de solidariedade e amizade pessoais não devem confundir a acção política do PS, que é essencial preservar, envolvendo o partido na apreciação de um processo que, como é próprio de um estado de Direito, só à justiça cabe conduzir com plena independência, que respeitamos. Ao PS cabe concentrar-se na sua acção de mobilizar Portugal na afirmação da alternativa ao Governo e à sua política.” Digamos que Costa fez a única coisa que podia fazer: afastar o partido do qual viria a ser líder passadas poucas horas do caso de justiça e do circo mediático tentando fazer o chamado “controlo de danos” (tarefa praticamente impossível, diga-se de passagem).

Por sua vez o PSD recusou-se a comentar o processo, cabendo a Marco António Costa (Vice- Presidente do Partido Social-Democrata) uma curta afirmação: “Vamos aguardar serenamente que as instituições judiciais prestem os esclarecimentos que julguem convenientes em função do desenrolar dos acontecimentos”. Já o ex-líder da Juventude Social-Democrata foi menos imparcial dizendo nas redes sociais um breve, mas revelador, “aleluia”.

Entretanto um novo comunicado do Procurador Geral da República informa que a detenção de José Sócrates teve origem numa “comunicação bancária”. A imprensa não tardou a desenvolver esta informação e no dia seguinte surge a informação de que, alegadamente, terá sido a Caixa Geral de Depósitos a fazer esta denúncia. Ora ao abrigo da lei do branqueamento de capitais, o banco do Estado terá suspeitado de várias transferências fraccionadas de Adelaide Carvalho Monteiro para a conta bancária de José Sócrates. Nesta altura, o antigo governante estaria a estudar em Paris, França. O dinheiro transferido por Adelaide Carvalho Monteiro teria antes passado por contas ligadas a Carlos Manuel Santos Silva, empresário e ex-administrador do Grupo Lena, amigo de José Sócrates, que também foi detido para interrogatório.

Sócrates acabou por permanecer pela segunda noite consecutiva nos calabouços da PSP, em Moscavide, e o seu advogado, João Araújo, dava espectáculo de cada vez que falava à comunicação social. Da primeira vez disse: “Vamos fazer um contracto (…): os senhores deixam-me em paz e eu amanhã, eventualmente, farei uma declaração mais completa”. No dia seguinte foi mais longe: “Desta vez vim cá ler os jornais. (…) Aos sábados é o que faço”. Mas quando pensávamos que não era possível melhor aconteceu isto: “Só queria saber onde é que está o meu veículo. Deve de estar para aí algures….é um veloz Smart. (…) Agora peço-vos o favor de não me humilharem porque normalmente eu entraria num magnífico veículo de doze cilindros, agora vou-me meter num Smar fico ridículo porque sou gordo e o Smart é pequenino. Se me deixarem entrar discretamente no meu pequeno Smart então amanhã terão certamente uma declaração”. Eu sei, parece um sketch dos Gato Fedorento. Mas não é. É pura realidade. Claramente temos aqui um advogado à altura do circo mediático montado em redor deste processo.

Segundo aquilo que a imprensa apurou o juiz Carlos Alexandre apenas começou a ouvir José Sócrates na tarde de Domingo. O interrogatório começa mais de 36 horas depois de ter sido detido. Durante o Domingo escasseiam as novidades e o ex-PM volta a passar a noite na PSP, a terceira consecutiva. Segunda-feira foi o dia em que o interrogatório foi dado como terminado (perto da hora de almoço), sendo o final da tarde apontado como o momento para serem reveladas as medidas de coacção. Primeiro era para ser às 18:30h. Chegou a hora e….nada. O anúncio parece estar atrasado. Passam as 19h e as 19:30h. Chega a informação de que a conferência de imprensa acontecerá às 20h.

Soou muito estranho este atraso de uma hora e meia (nomeadamente porque arrastou o anúncio exactamente para a hora dos telejornais). Contudo os ponteiros bateram nas 20h e nada. Os repórteres continuavam no Campus da Justiça, mas notícias nem vê-las. Apenas pelas 22:30h a escrivã falou á imprensa.

E aí caiu uma nova “bomba”: José Sócrates, João Perna e Carlos Santos Silva vão aguardar o julgamento em prisão preventiva enquanto que Gonçalo Ferreira fica em liberdade mas impossibilitado de comunicar com os restantes e com apresentações periódicas às autoridades.

Mas quais as consequências que este processo tem para José Sócrates e, por extensão, para o Partido Socialista? Parece evidente para todos que a vida política de José Sócrates acabou no preciso momento em que foi detido. Mesmo que venha a ser provada a sua inocência os eleitores vão manter para sempre as suas dúvidas e desconfianças. Quanto ao PS certamente que também não terá vida fácil. Aliás, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou inclusivamente: “Se António Costa resistir a isso e ganhar as eleições com o processo Sócrates às costas é um génio. Merece tudo”. Será que António Costa conseguirá superar tudo isto? Apenas o tempo o dirá, e nós se tudo correr bem, cá estaremos para assistir e comentar.

Finalizo com uma nota a respeito do juiz Carlos Alexandre. É filho de um carteiro e de uma operária fabril, natural de Mação, estudou na Telescola e licenciou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Nos últimos anos foi o nome associado aos processos judiciais com maior impacto mediático no nosso país como foi o caso Monte Branco e as operações Furacão, Portucale, Face Oculta e BPN. Ah, e em Julho, ordenou a detenção de Ricardo Salgado. Agora ouviu José Sócrates. Mais mediático do que isto é impossível. Está explicado a razão da alcunha “super-juiz”.

Então e agora? Olhem, agora resta-nos esperar serenamente pelo desenrolar do processo. Até ao final do julgamento tudo pode acontecer, contudo este já é um caso histórico em Portugal. Será que finalmente chegou a hora da justiça provar que ninguém está acima dela? Só o tempo o dirá, mas este é um bom princípio. Quanto a Sócrates…se for culpado que seja condenado e de forma exemplar.

Boa semana.
Boas leituras.