Liberdade de Expressão – Rafael Coelho

Esta semana não resisto à tentação e à necessidade de expressar a minha opinião acerca das últimas agressões a que temos assistido nos últimos tempos contra políticos, principalmente do nosso Governo. Sim, disse nosso, porque enquanto este estiver no poder, quer queiramos quer não, quer gostemos quer não, quer apoiemos quer não, é este o Governo de Portugal. É assim que funciona a democracia: existem regras legais e constitucionais que devem e têm que ser cumpridas. O facto é que o partido que obteve mais votos nas últimas eleições foi o PSD, que convidou o CDS para formar uma maioria para governar, após mais de 1 década de governação PS, apenas interrompidos por cerca de 2 anos de PSD/CDS e que deixaram o nosso país num estado lastimável em termos de dívida e de situação financeira. No passado, quando não existia uma crise tão grande, não se apostou fortemente no crescimento que compensasse a queda dos índices de emprego, que já vêm de longe e não apenas do último ano e meio, tendo-se agravado após a crise financeira mundial e a austeridade troiquiana.

É natural que grande parte do país esteja desesperado. Eu próprio, a minha família e muitos amigos dos quais tenho conhecimento, também temos sentido grandes dificuldades e esperamos ainda mais. É verdade que muitos de nós (portugueses) no passado não optámos pelas melhores práticas em termos de capacidade de financiamento. Enquanto vimos o nosso país modernizar-se e crescer, todos gostámos de usufruir. Hoje em dia vemos as alterações enormes que sofreram muitas das nossas cidades, a rede viária aumentada e modernizada, algumas linhas e equipamentos de caminho de ferro e outros meios coletivos de transporte modernizados, novas pontes, novos empreendimentos, muita construção nova, estádios de futebol, novos relvados em clubes distritais, piscinas cobertas e não cobertas, cinemas e teatros, pavilhões polidesportivos e polivalentes e muitas coisas mais. Gostámos enquanto foi bom. Agora, está aí a conta para pagar e ninguém quer pagar. Aliás, há quem queira, mas é difícil encontrar simpatizantes e adeptos para subscrever medidas tão impopulares, principalmente quando se está na oposição e se quer voltar ao poder.

Compreendo que o povo esteja cada vez mais indignado e revoltado, mas há que não perder a noção das coisas e o bom-senso. A missão histórica e patriótica dos políticos na actualidade deve ser respeitada por todos os portugueses e decerto que poucos seriam capazes de gozar da coragem suficiente, para enfrentar tais problemas tão complexos e difíceis de resolver.

A democracia é o exercício do poder pelo povo. Mas esse poder, sendo soberano deve ele ser também abalizado pelo mesmo povo, porque a liberdade de cada um termina quando começa a beliscar o outro. Mal comparado, é como dois vizinhos, que têm a sua casa, pátio, jardim, etc., rodeada por um muro. O seu espaço é dentro do seu muro e não pode invadir a propriedade do vizinho, sem que este o permita. Ora bem, a liberdade, onde se inclui a liberdade de expressão é também isto. Ninguém tem o dever nem o direito de invadir o direito do outro à honradez, ao bom nome; ninguém pode insultar outro sem que essa atitude possa ficar impune, se o ofendido achar que deve apresentar queixa. Além disso, que exemplo queremos dar às nossas crianças e adolescentes, quando os adultos seus pais, irmãos mais velhos, tios, avôs, etc. saem para a rua, partindo para a agressão verbal, física ou psicológica?

É esta a análise rápida que faço aos insultos que recentemente portugueses (que espero estejam em minoria na nossa sociedade), fizeram a membros do Governo da Nação. Por mais difícil que seja a sua missão, por mais erros que possam cometer e por mais cálculos e previsões erradas que possam fazer, com certeza que a sua intenção é positiva e a sua lógica é racional e coerente. Com certeza que se vierem a verificar que esta receita não ajuda o doente, irão alterar o tratamento e a medicação e não deixarão morrer o doente. Esta minoria é de facto barulhenta, frenética e quiçá radical, tentando mostrar à opinião pública, através da insistência, da perturbação e do tumulto constante, que é maior do que de facto é. Se este governo tem um mandato para 4 anos, então deixem-nos governar durante esse período. Ninguém derrubou o Governo – exceto o que o Presidente Sampaio fez a Santana e Portas – quando estavam a afundar o país. Porquê tentar derrubar o Governo que está a tentar – segundo eles próprios – a fazer o seu melhor para tentar dar a volta por cima?

Verifique, senhor leitor que, ao serem insultados, vaiados e quase agredidos na praça pública, os políticos podem sair a ganhar, ao contrário do que pensam os agressores, uma vez que saem da situação na posição de vítimas e isso pode fortalecê-los junto da opinião pública.

Esta é a visão de um dos lados da ponte.

No outro lado da ponte, consigo ver também algum gesto de desleixo da parte de alguns membros do Governo, que em lugar de se dedicarem à governação, ao estudo dos dossiers, à resolução dos problemas, passeiam-se em conferências, entrevistas, aparecimentos em programas de TV e outros eventos públicos, onde saberão que facilmente poderão vir a ser vaiados ou agredidos. Essa atitude poderá ser também vista como ato de coragem, ou seja, não terem medo de aparecer, de falar com as pessoas, de enfrentá-las. No entanto, são riscos que sabem que vão correr, poderão ser calculados de melhor forma e evitarem certo tipo de confrontos. Um coisa é o militar estar sempre pronto para a guerra, outra coisa é atirar-se de peito aberto para a frente do cano da espingarda do inimigo.

Assim, na minha opinião, os portugueses devem manifestar-se legal e civicamente, se assim o entenderem, nos locais, dias e horas combinados e autorizados. A sua forma de manifestação não pode nem deve colidir com a liberdade do outro: nem obrigar o outro a participar, através da chantagem ou da ameaça, nem invadir a sua privacidade ou liberdade, da qual também é credor, como todos somos da mesma forma.

A falta de civismo que constatamos infelizmente em muita da nossa juventude na condução, na falta de educação e maneiras, no egoísmo e orgulho reinantes, no individualismo corruptível, ultrapassou todas as fronteiras e chegou à estupidez pública. Preocupante é, quando este sururu surge no seio do ensino superior ou em conferências que se julgam serem formativas e enriquecedoras – possivelmente algumas das quais com direito a certificado.

Crónica de Rafael Coelho
A voz ao Centro