Não sou Grego, mas sou Europeu

Esta crónica não foi escrita para falar das finanças Gregas, ou Europeias. Também não falaremos, aqui, da superficial análise económica que se faz com base na decisão que irá ser tomada no Domingo. Aqui, falaremos de algo muito mais importante: os princípios e valores Europeus.

Tendemos a tratar a crise nos países periféricos como uma questão que, abstratamente, diz respeito a um devedor incompetente e um credor benemérito. A formiga que salva a cigarra quando esta é incapaz de se preparar para o Inverno, que está aí a chegar, que como quer o bem da cigarra, lhe impõe algumas soluções para mudar de vida. Ainda que esta forma de pensar não fosse leviana, tal ignora a existência de… Pessoas. Isso mesmo, a base da existência abstrata de um Estado, uma nacionalidade, da economia, das finanças, de um sistema político. Podemos afirmar que tudo isto existe apenas porque as pessoas acreditam que estas existem.

No fundo, o que sucedeu, aquando da adoção das políticas de austeridade nos países periféricos, foi a reestruturação dos sistema económicos, no sentido dos modelos liberais, preconizados por Hayek e pelo Banco Central Europeu (exclusivamente focado no controlo da inflação), como moeda de troca para os empréstimos (gigantescos!), e a juros… Terrivelmente elevados. Mas o trade-off não estava completo sem percebermos as consequências humanas que estes programas de ajustamento tiveram: desemprego, como apenas se havia visto após a crise de 1929, fome, doenças, destruição cultural e emigração historicamente elevada.

E morte.

Porque à fome e à doença, o apoio, que primariamente era prestado pelos Estados que, entretanto, cortaram em funções consideradas como não-essenciais, levaram a que milhares de pessoas não pudessem ser ajudadas e, consequentemente… Deixaram de o ser.

Não podemos fechar os olhos a que as políticas de austeridade tiveram consequências extremamente nefastas. E, no caso Grego, assumem proporções de desastre humanitário.

É aqui que entra a Europa e o Sonho Europeu.

THE TREATY ON THE FUNCTIONING OF THE EUROPEAN UNION

Article 80

The policies of the Union set out in this Chapter and their implementation shall be governed by the principle of solidarity and fair sharing of responsibility, including its financial implications, between the Member States. Whenever necessary, the Union acts adopted pursuant to this Chapter shall contain appropriate measures to give effect to this principle.

 

Ou seja, o valor da Solidariedade é um princípio Europeu, inscrito no principal texto legislativo da União. As implicações que isto tem são simples: cabe aos Estados Europeus entreajudarem-se de forma a conseguirem superar as dificuldades que os assolam. Sobre certa perspetiva, tal sucedeu com os empréstimos, todavia o problema foi que os empréstimos levaram a uma série de condicionalismos reformistas na Grécia, voltando aos tempos em que se morria de fome, e ninguém podia fazer nada contra isso.

Atendendo a que a solidariedade é um princípio inalienável da política europeia, tal implica a questão: porque não fizemos nada para evitar o desespero do povo Grego? Porque preferimos manter acordos financeiros que um Estado não pode cumprir sem comprometer os cidadãos?

Os Gregos deram a sua opinião em Janeiro passado, elegendo o Syriza, e colocando-o no Governo. E as sondagens dizem-nos que o “Não” ao tratado de maior austeridade, proposto pela UE, é o resultado mais provável.

E no entanto, toda esta situação poderia ter sido evitada. Caso não tivéssemos sido apenas Portugueses, Alemães, Ingleses, Franceses, Belgas, etc, etc, mas sim Europeus. Europeus que investissem no sentido de ajudar os Gregos a ultrapassar esta crise. E não falo em ajuda financeira e auditorias supostamente financeiras, mas de cariz ideológico. Não. Falo em chegar a acordos que não colocassem metade da população grega na pobreza, incentivassem a corrupção ou o crescimento de um partido xeno e homofóbico e, não assumidamente, de inspiração neo-nazi.

Enfim, falo em colocar a Europa com os Gregos. Não contra os Gregos. Não para defender os vários Governos Gregos (por muito incompetentes ou azarados que tenham sido), mas para defender o povo Grego.

Não porque eu, ou o leitor, seja Grego. Não porque, assim, vamos rever o dinheiro emprestado ou sequer melhorar as condições financeiras portuguesas.

Mas porque somos Europeus.

E como Europeus, somos solidários.

E somos solidários porque somos humanos que lutam para ajudar os outros.

Porque foi assim que nasceu a Humanidade.