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Não me cansa a beleza ver-te

“Não me cansa a beleza ver-te.” Fiquei a matutar na intencionalidade daquela frase, enquanto saboreava um delicioso café no Chiado, nesta altura do ano atolado de turistas, como se os não aceitassem nos lugares onde os empregados de mesa não se expressam tão bem na Língua de Shakespeare como aquele a cheirar mal dos sovacos que me atendeu.

Não se vislumbravam nuvens no céu e para contrariar a subida da temperatura, apenas conseguira esgueirar-me para uma nesga de sombra que se abrira como uma dádiva do imenso céu que era de onde brotava o calor.

Faço dezasseis anos no próximo mês de março e já decidi que vou tornar-me na próxima apresentadora da previsão do estado do tempo, que irá ao telejornal dizer que as temperaturas no verão jamais ultrapassarão os trinta graus centígrados em Portugal continental. Nessa altura hei-de pôr um vestido igual aos da minha mãe e hei-de parecer-me tanto com ela, de bochechas vermelhas por causa do sol, que não só do que eu disser, as pessoas que nos conhecem hão-de lembrar-se de já ter visto e ouvido falar daquilo nalgum lugar.

Não tenho namorado, desde que descobri por intermédio dele que é mais fácil lidar com as queixas de uma namorada ciumenta do que com a má-disposição de um homem quando não lhe aturam as birras. Demorei a perceber se gostava de raparigas, porque sempre vivi rodeada de rapazes, a quem fui dando menos pretextos do que eles a mim para querer vê-los à distância.

Nesse tempo, deixava envolverem-me os seus comentários acerca de como era gira, os seus galanteios com frases retiradas de romances de cujo final só queriam saber se, com a protagonista da novela, tinham dado resultado e ela acedera a deitar-se com o namorado ao invés de ter preferido ir virgem para o casamento.

Um dia no olhas lânguido de uma rapariga da minha idade, encontrei correspondência para a forma como perscrutava o corpo dela em busca de sinais visíveis de que por ser mais magra, o meu pudesse estar subdesenvolvido. Estávamos sozinhas no balneário no intervalo da aula de ginástica, ambas despidas da cintura para cima, que era onde eu julgava que podia levar vantagem, porque no meu caso o tamanho pequeno do peito era característico mas mulheres da minha família a quem, por fatores de hereditariedade, ele nunca crescia até o considerarem avantajado.

Tinha os seios desenvolvidos para a idade e dois pequenos mamilos que se assemelhavam a um daqueles pares de azeitoninhas dos aperitivos, que se comem sem retirar o caroço. Pareceu-me tê-la visto corar da sensação de estar a ser observada por alguém do mesmo género, mas que por ser mais ingénua, nada sabia a respeito dos segredos que, entre sim, duas mulheres podem guardar.

Levemente, aproximou-se de mim com um dedo em riste a tapar parte do nariz e da boca, como se nem a mim, por sermos amigas há pouquíssimo tempo, pudesse revelar o que pensava a meu respeito.

Causava-me alguma apreensão ela com a mão poder trepar-me à procura de um lugar para apoiá-la, comigo a tremer da cabeça aos pés, sem conseguir abrir a boca para pedir-lhe que parasse, antes de me ficarem dormentes os dedos por causa do formigueiro que sentia nas mãos.

Cheirou-me a lavanda, à água-de-colónia que usava e devia espalhar no corpo com a mão aberta para ir acariciando a barriga e as pernas que não consegui ver por ter enrolado à volta da cintura a toalha de banho. Recordava-me de serem magras, sem estrias como as da minha mãe, que com a idade dela não estava autorizada a usar saias tão curtas que as mostrassem e permitissem, às pessoas perspicazes como eu, terem uma ideia do que valiam.

Semicerrei os olhos e senti aflorarem-me a pele os seus lábios de seda. Depositou-me ao de leve um beijo no ombro, que não ficou com nenhuma marca visível mas, como se fosse uma tatuagem, cobri com o casaco ao entrar em casa, não fosse a minha mãe notar alguma diferença em relação à última vez em que me viu despida.

Nesse dia, passei as restantes horas a meditar nas consequências de ter-lhe dado a entender que tinha gostado, bem como no que sucederia caso não a tivesse interrompido o ruído estridente da porta da entrada a bater, como se fosse a soar o alarme sonoro da minha consciência que eu não tinha ouvido tocar.

Marcámos um segundo encontro, daquela vez num lugar mis discreto, e prevendo como iria terminar só tive de lhe pedir que retomasse a ação a partir do ponto em que tinha abruptamente interrompida.

Às escondidas das amigas, combinávamos ver-nos nos finais de tarde em que para nós o sol não se punha e, nem sequer no outono, os dias ficavam mais curtos a caminho de celebrar o Natal. Da minha parte, mais depressa corria ao seu encontro, do que antes ao encontro dos rapazolas da minha idade, a quem antes de abrirem a carteira para me pagar um refrigerante, já eu tinha pedido que me oferecessem um gelado, mas daqueles de taça com uma grande bolacha de baunilha no topo, como se fosse a cereja a coroar a excelência dos demais ingredientes.

Namorámos durante três meses, findos os quais simplesmente passei a vê-la como a amiga que nenhum rapaz gostaria de ter, por não estar para aturá-los com a mania de imitarem os pais a dizerem que a culpa de tudo é das mulheres.

Entretanto, mudámos de escola, de lugares que frequentávamos e só ontem a reencontrei e voltámos a conversar mais demoradamente do que no dia em que nos despedimos por termos concluído que a relação não ia tão bem que desse garantias de continuar assim no prazo de umas semanas.

Voltámos a despedir-nos mas com um até breve e um beijo na face, que se seguiu à frase enigmática que me pôs a pensar no que significaria. “Minha querida, ver-te é a única rotina que cumpro com prazer. Bem sabes que não me cansa a beleza ver-te.”.

Uma frase que me parecia extraída de um livro de um grande autor e soava a termos acabado de fazer amor, na altura em que repousávamos exauridas nos braços delicados uma da outra.