Porque não se vota em Portugal?…Da descrença do povo à abstenção

Ainda no rescaldo das Presidenciais, e só agora apurados os votos das portuguesas e dos portugueses nos Estados Unidos da América, nas áreas consulares de Washington e Newark, verifica-se a mesma tendência de sempre, tanto no país, como fora dele: A Abstenção elevada.

E porquê esta abstenção? O que é que de fato ela traduz?…

Como é que as pessoas deixam de exercer o seu direito que é também um dever cívico?…
Bem, parece-me fundamental refletir sobre esta matéria ainda que seja só por um momento e numas poucas linhas escritas…

Obviamente que a cada eleição corresponde um fenómeno de abstenção que tem certamente fatores diferentes. Mas, também seguramente, existem fatores que se repetem e justificam ano após ano, em várias eleições para Orgãos diferentes, e que justificam os números altos da abstenção em Portugal.

A abstenção surgir quase sempre como a eleita das portuguesas e dos portugueses é lamentável, porque retira de certa forma “legitimidade democrática”, isto do meu ponto de vista. Não é que a eleição não seja efetivamente democrática, logicamente que o é, mas retira-lhe a própria representatividade democrática – Se menos votaram, e se não sabemos o que iriam votar as eleitoras e os eleitores que não o fizeram, e se este número anda sempre próximo dos 50%, por vezes mais, significa isto que quem se faz eleger não é uma escolha efetiva da percentagem x, y, ou z, das portuguesas e dos portugueses, mas apenas dos que exercem o seu direito de voto.

Posto isto, parece-me evidente que há uma quebra na representatividade, grave.
A abstenção é também perigosa…Muitos desconhecem que o Partido do Hitler quando foi eleito obteve uma percentagem de votos pouco significativa, rondando apenas os 13 %, e inesperadamente este resultado fez com que ganhasse eleições. As grande maioria dos alemães que podiam votar à época absteve-se de o fazer, e com isto proporcionou a vitória de um Partido claramente minoritário mas que se fez eleger com os seus fiéis seguidores – poucos mas suficientes-, muito provavelmente devido à elevada abstenção de votos que fariam com que outro Partido, mais democrático e menos fundamentalista ganhasse quase seguramente. Depois da eleição pouco havia a fazer.

Claro que por cá existem sondagens, e estas dão quase a garantia a estes abstencionistas de que tais casos raros na história não se farão sentir no país…No entanto, o que é verdade é que o princípio está errado.

Apesar disto, a verdade é que esta demissão dos portugueses da vida política, tem de ser equacionada…e se o interesse deles se afasta tanto da política é porque algo correu mal.

Para mim a resposta é demasiado complexa, envolve muitos fatores obviamente…
Não basta dizer que é uma escolha livre de quem não vota. É-o seguramente, pelo menos enquanto não for obrigatório votar como é no Brasil por exemplo, mas não justifica números tão altos por si só.

Não votar pode também ser uma falta de politização, o que é verdade, numa Sociedade onde não se educa para a verdadeira cidadania, onde continuamos de certa forma a alimentar a população com “Fado, Fátima e Futebol”, com o devido respeito por tudo isto, sob disfarces vários, que favorecem a não cultura e a não educação do Povo. Por outro lado, muitas vezes, a fraca qualidade de candidaturas conduz à não escolha…E ainda existem casos em que as pessoas não lhes interessa simplesmente a política, e taduzem isto, erradamente quanto a mim, na recusa ao voto.

Mas…à parte destas críticas, e no entanto, penso que também temos algumas pistas mais de acordo com as pessoas que não votam, do ponto de vista delas, ou pelo menos de algumas delas.

Tendo ouvido alguns comentários e opiniões em alguns programas de várias estações de Rádio nestas últimas semanas, tentei fazer com alguma imparcialidade a minha reflexão sobre a abstenção, e, em minha opinião absolutamente de senso comum, como observadora e tentando compreender quem escolhe não votar por sistema, nomeio alguns fatores e fatos que afastam as pessoas da política e dos políticos de forma dramática e que parecem poder ter associação aos números da Abstenção:
1- A corrupção em Portugal e o número crescente de pessoas ligadas à política e aos partidos envolvidas em casos de corrupção nos últimos anos.
2- A impunidade dos políticos, na sua maioria, perante as suspeitas e frequentemente as provas demonstradas de corrupção ou de dolo na gestão dos dinheiros públicos, por exemplo.
3- Os “elos mais fracos”, fazendo de “bodes expiatórios”, que de quando em vez são presos para silenciar o povo. Estou convencida que a descrença do povo aumenta ainda mais quando de quando em vez surgem alguns políticos que são presos por danos “menores”, e frequentemente porque de alguma forma “fizeram frente” ao Partido A, ou por aquilo que parecem ser “ódios pessoais”, que apenas servem para isso mesmo – “vinganças mesquinhas”, sabendo o povo perfeitamente que isto é feito pelos mesmos que protegem os “intocáveis”, aqueles que jamais são envolvidos nos processos, e nunca, mas nunca, vão obviamente a julgamento, muito menos para prisão preventiva, e ainda menos para penas de prisão efetivas.
4- “Dois pesos e duas medidas” – Salvam-se bancos e banqueiros com dinheiro público, perdoam-se dívidas aos “grandes” e penhoravam-se casas até há poucos meses atrás, a quem nada tem e não tem como pagar. Perseguem-se trabalhadores precários a recibos verdes, para pagar a Segurança Social, e cobram-se impostos mais altos aos trabalhadores por conta de outrem e pensionistas, mas não se pune nem persegue quem mais tem e sabe provavelmente da melhor forma “contornar” a Lei, e não pagar os seus impostos. Favoreceu-se muito os ricos, perseguiram-se os que mais precisavam de proteção. Medidas duras para uns, perdão para outros – um erro do passado que favorece a descrença das pessoas na Política e no próprio Sistema.
5- O afastamento dos centros de decisão política da vida real das portuguesas e dos portugueses (as pessoas pensam em casos reais, olham as realidades do seu quotidiano, e frequentemente ouvem os discursos políticos na Assembleia, muito afastados da sua realidade, muito “virados para dentro”, muito centrados em questões de disputa partidária ou questões mais técnicas, e com o fator agravante de se situarem muitas vezes num plano muito à parte do que as pessoas sentem no seu dia-a-dia. Os ministros de gabinete, sem experiência no terreno, em sucessivos governos, e políticos que sempre viveram à custa dos Partidos, sem saberem o que “custa de facto a vida”, descredibilizam toda uma classe política, o que é lamentável, porque como em todo o lado há bom e mau, e há muitos políticos que são sérios, honestos, competentes e empenhados no seu trabalho em prol da Sociedade e das pessoas.
6- A postura e desrespeito de alguns agentes políticos nos seus discursos e no Parlamento indigna frequentemente as cidadãs e os cidadãos (é frequente ver deputadas ou deputados a rir jocosamente, por ex., após um discurso que fala sobre realidades muito duras das vidas das pessoas…como é frequente depois de um discurso “aceso” discordante dos que estão sentados…Isto não dignifica a política nem os seus agentes. Sabemos, claro está, que não se estão a rir das pessoas por motivos decorrentes das situações sérias do discurso, mas frequentemente por despeito a quem discursa, não pessoal, mas partidário…o que é fato é que “não fica bem”. As pessoas não gostam, e é compreensível que assim seja. Fazer do lugar supremo da Democracia – o Parlamento, a Assembleia da República- , um local de Show de terceira categoria, não favorece a Democracia e seria bom, que nunca os políticos se esquecessem da seriedade que devem ter na defesa dos interesses de quem os elegeu e do país.

Se os gritos de uns e outros, ou os risos jocosos dentre outras coisas, fazem as delícias de alguns, outros há que não se identificam com este tipo de “argumentos” e “perdem a paciência” ou qualquer interesse na Política.

Se estes são os fundamentos de todos os que não votam não sei…Mas que em vários momentos fui ouvindo estes desabafos, é incontornável.

Para mim a solução tem de passar pela dignificação da política e da classe política sempre. A proximidade às pessoas e às vivências das pessoas.
A Política – gestão da Polis – é do interesse de todas e todos. Precisa de ser melhorada na sua ação, mais próxima, mais realista, séria e honesta, frontal e justa.

Há pouco lia uma frase num post do Facebook que me deixava a pensar também no papel da educação para a cidadania, no ensinar a pensar, a estar em sociedade, em comunidade.
Dizia o Post qualquer coisa como : “(…)Na escola não me ensinaram como votar(…)” dentre outras coisas…“Mas dá-me imenso jeito no dia a dia o teorema de Pitágoras” (com ironia)…
Pois…não tenho nada contra o Teorema de Pitágoras, mas desde a Educação, à Assembleia e Ministérios, urge aproximar à realidade e à vida das pessoas, as políticas e a Política.

Talvez quando isto for real e efetivo comece a haver menos abstenção…demorará o seu tempo, porque os danos têm sido grandes; mas urge aproximar a Política à realidade e às necessidades das pessoas, tal como as própria políticas a adotar, obviamente de acordo com o modelo do Partido que governa.

Não basta apelar ao voto, é preciso impulsionar a participação das pessoas através do bom exemplo, das boas medidas, da intervenção, da ação, da proximidade às necessidades das pessoas. Que assim se faça por muito tempo. Penso que assim talvez um dia as pessoas voltem a acreditar e a participar.