No Algarve, só engenheiros informáticos podem ser empregados de mesa…

Quem lê o título desta crónica, normalmente chega a duas simples conclusões; ou o autor da crónica esteve a beber um cocktail de bebidas alcoólicas a altas horas da madrugada numa discoteca e acordou na manhã seguinte dentro de uma banheira repleta de cubos de gelo que lhe queimaram o cérebro, mas que o impediram de falecer depois de lhe terem sacado um rim, ou então andou a fumar drogas pesadas e ficou com uma quantidade industrial de neurónios completamente queimados. Das duas uma. Mas não, meu caro amigo leitor. Lamento informar, mas nenhumas das anteriores conclusões estão correctas. De facto, hoje em dia, no Algarve só engenheiros informáticos podem laborar como empregados de mesa. Não acredita? Então desloque os olhos para o parágrafo seguinte, que vou passar a explicar tudo.

(Ei! Calma! Eu quando disse para “deslocar os olhos para o parágrafo seguinte”, estava a ser puramente figurativo e não literal. Agora quero ver quem é que vai colocar esses olhinhos míopes novamente no sítio…)

Ainda no rescaldo do mês de Agosto, mais propriamente nas férias de Verão, tive a oportunidade de passar alguns dias nesse ponto turístico português abundante em espanhóis e ingleses, denominado de Allgarve. Perdão, Algarve. E, a dada altura das férias, eu e a minha cara-metade descobrimos não pólvora, não petróleo, mas sim um pequeno estabelecimento comercial divinal. Uma pequena pastelaria onde, se ainda existissem os deuses gregos, eles iriam abandonar todos o Olimpo a correr de uma forma desenfreada para lá, porque é onde está o elixir da vida. O verdadeiro manjar dos deuses! E quando falo em “manjar do deuses” falo claramente na melhor montra de bolos que alguma vez tive a oportunidade de presenciar na minha ainda curta vida. E se há coisa que me convence à primeira vista, essa coisa é uma montra de bolos. Entrámos imediatamente na pastelaria, e sentámo-nos na primeira mesa vaga que encontrámos. Depois de uma pequena inspecção pelo interior da pastelaria, constato que era realmente pequena – mas com uma abundância de bolos de comer e chorar por mais. De súbito um empregado abeira-se de nós, dá-nos as boas vindas e pergunta-nos se já escolhemos. Obviamente que eu já tinha em mente o que iria querer para comer e ostentando um valente sorriso na cara, respondi: “Quero um pão-de-deus misto com manteiga e um galão quentinho!” E voltei a concentrar o meu olhar na montra de bolos que me hipnotizava de uma forma descontrolada que me chegava a deixar sem forças. Mas estranhei o facto de sentir que o empregado de mesa que nos estava a atender, estar a fazer uns movimentos estranhos com os dedos na sua bandeja de alumínio. Ao princípio pensei que estivesse a escrever o pedido num pequeno bloco de notas, mas depois de se passarem dois minutos e ele continuar na mesma posição, é que comecei a pensar que algo não estava bem. Então, num movimento rápido, passei fugazmente o olhar pela bandeja do empregado de mesa e qual não foi o meu espanto, quando constatei que ele estava a digitar o pedido, sim senhor, mas num pequeno tablet que tinha em cima da bandeja.

Passaram-se mais alguns minutos e ele ainda não tinha conseguido registar o malfadado pedido e eu comecei a salivar incessantemente. E foi nesse momento que eu comecei a interrogar o porquê de aqueles empregados estarem a usar tablets para registar os pedidos, numa pastelaria tão pequena? Por que raio não andavam eles dez passos e faziam o pedido directamente ao colega que estava do outro lado do balcão? E depois juntei um mais dois e cheguei à simples conclusão que, hoje em dia, a moda é sinónimo de complicar a vida das pessoas. Ou seja, é preferível perder-se milhares de minutos a tentar registar um simples pedido num tablet, do que apontar numa pequena e simples folha de papel ou até mesmo deslocar-se até ao colega do balcão e passar-lhe directamente o registo do pedido. Tudo em prol da evolução. Da moda. São os tempos em que vivemos…

Com esta medida, os empregados nem sequer necessitam de falar uns com os outros. Logo, eles nem precisam de saber os nomes uns dos outros – pois com o tablet podem registar os pedidos sem sequer falarem com os colegas. Onde foi parar a velha moda dos berros de pedidos entre colegas? O velho “Sai um pão-de-deus misto com manteiga e um galão quentinho!” foi substituído pelo complexo e irritante barulho dos dedos a bater no ecrã do tablet, como se o raça do aparelho fosse uma espécie de sadomasoquista que adora violência e está sempre a implorar para que lhe batam cada vez com mais força.

Mas atenção que não é qualquer um que pode trabalhar com o tablet. É preciso uma espécie de formação ou mesmo um diploma universitário de “Engenheiro Informático” para conseguir trabalhar com os, cada vez mais, complexos aparelhómetros. Mas… desde que, no final, o raça do divinal pão-de-deus e galão quentinho chegue à mesa, por mim até podiam registar os pedidos como nos Flintstones – usando um pedaço de mármore e uma picareta…

Isto é que é uma Vida de Cão, hem…

(Nota: para evitar ser processado, optei por não nomear a pastelaria em questão. Eu sei que foi um erro, visto que essa é a única forma de se ficar conhecido neste país e de ganhar algum bom dinheiro sem levantar o rabo da cadeira. Mas primeiro tenho de juntar uns trocos para pagar a caução, e depois logo implico com alguma figura pública portuguesa… Tudo a seu tempo… Uma coisa de cada vez… Muahahahahah! Ok, este último riso era escusado…)