Noite Lisboeta

A lei que entrou em vigor na semana passada é um dos maiores ataques há noite lisboeta de que há memória! A Câmara Municipal de Lisboa (CML) tinha prometido e, agora, cumpriu: os bares do Cais do Sodré, Santos e Bica passam a fechar às 2h (nos dias úteis) e às 3h ao fim de semana, as lojas de conveniência localizadas nestas zonas têm de encerrar no máximo às 24h (enquanto actualmente podem fechar às 2h) e os bares não podem vender bebidas para rua a partir da 1h. Ou seja, consumir sim, mas apenas dentro do espaço do bar. A intenção é que os moradores tenham mais paz tentando que, a partir de agora, possam dormir descansados. Mas quais as consequências deste novo despacho para a economia lisboeta? Está lançado o debate no “Desnecessariamente Complicado” desta semana!

Segundo as declarações que o vereador da Higiene Urbana da Câmara Municipal de Lisboa, Duarte Cordeiro, proferiu à imprensa percebemos que o objectivo é que “haja uma maior compatibilização entre a diversão nocturna e o descanso das pessoas”. Ou seja, tudo foi feito a pensar nos moradores destes locais específicos. Mas será que alguma coisa vai mudar? Na verdade não. Porquê? Porque a maioria dos bares do Cais do Sodré não será afectado pelos novos horários. Ficou confuso? Eu explico.

Europa, Viking, Tokyo, Copenhaga, Liverpool, Oslo, Sabotage, Bar do Cais, Povo, Pensão Amor (todos na Rua Nova do Carvalho, a rua cor-de-rosa ) British Bar e Bar Americano continuam a fechar às 4 horas da manhã, tal como antes. Porquê? Porque a CML permite que nada mude para aqueles que têm licença de espaço de dança, espaços insonorizados, com segurança privada à porta e com sistema de videovigilância. Por sua vez estabelecimentos como o Musicbox, o Jamaica e o Ménage, por exemplo, vão manter o seu horário de fecho às seis da manhã. Ou seja na prática…nada vai mudar!

De repente surgem uma boa quantidade de questões. Antes de mais: quem é que vai assegurar a fiscalização do cumprimento, ou não, do referido despacho? Existem fiscalizadores suficientes para abranger todos os estabelecimentos em causa? Não se esqueçam que basta um destes inúmeros locais fechar meia-hora mais tarde do que o previsto pela lei para estar em incumprimento e poder ser punido! E se não cumprir o que acontece a esse espaço? Se for esse o caso então o estabelecimento poderá ser “penalizado com a redução temporária do horário de funcionamento, tendo de fechar às 23h todos os dias da semana”. E a verdade é que faz sentido. A alternativa era serem aplicadas elevadas multas e isso iria prejudicar ainda mais os proprietários dos bares em causa. Mas e se o cliente comprar a bebida dentro do estabelecimento mas for consumi-la para a rua? Aí o culpado, e multado, é….o proprietário do bar, obviamente! Portanto, tendo em conta a elevada quantidade de indivíduos que ingeriram uma quantidade de álcool bem maior do que o que era suposto está mais do que visto que vão disparar as multas não é verdade?

O caro leitor ouviu falar desta nova lei e das referidas alterações? É normal que não tenha ouvido, sabe porquê? Porque nem sequer os proprietários (que são os maiores interessados) foram devidamente esclarecidos! Como é possível que os donos destes espaços ainda não saibam se a esplanada é considerada como parte do estabelecimento ou simplesmente como “rua”? A pergunta pode parecer pateta, mas acreditem que não é! Relembro que a partir da 1h os clientes só poderão consumir bebidas dentro dos bares, ou seja, a questão é de fulcral importância!

E quais as consequências para a economia de Lisboa? Mais do que muitas como devem imaginar! Para começar a maioria destes espaços vão certamente fechar dentro de pouco tempo. Calma, não me tomem por pessimista, porque foi o dono de um destes locais a dizê-lo à imprensa. E porque proferiu ele tal afirmação? Porque a esmagadora maioria do dinheiro apenas entra em caixa depois da meia-noite. Ora se este novo despacho acaba por prejudicar (in)directamente os lojista o correcto seria compensá-los reduzindo as rendas ou os impostos camarários, certo? Errado! Nada disso está previsto (ou se está previsto não encontrei essa informação em lado algum). Ou seja, tudo se manterá igual…menos o lucro destes cidadãos honestos e cumpridores!

Mas quem sai à noite continuará a fazê-lo. Sim, porque ninguém é suficientemente ingénuo para pensar que a população mudará os seus hábitos pois não? Quanto muito passarão a frequentar outras zonas de Lisboa ou alguns dos locais que não serão afectados por esta lei. Quem ficará a ganhar? Esses empresários (e toda a restante Lisboa porque há sempre quem prefira dispersar) e, especialmente, os moradores.

Como já devem ter percebido sou totalmente contra esta nova lei. Percebo a sua essência, mas não concordo com ela. Os moradores devem ser protegidos, claro, mas isso não torna válido que os empresários e trabalhadores sejam prejudicados. E reparem que já nem estou a falar no quão prejudicados serão os clientes dado que esses têm alternativas e podem deslocar-se para outras zonas de Lisboa (não é bem assim, depende dos transportes públicos e dos locais de estacionamento disponíveis, mas essa é uma outra questão).

Quem defende esta lei dirá certamente: “Se fosses morador e não conseguisses dormir durante toda a noite estarias de acordo!”. Pois, talvez. Admito que o facto de viver a cinquenta quilómetros de distância de Lisboa num concelho conhecido por tudo menos pela vida nocturna me dá uma agradável sensação de conforto (e me permite falar quase como que de um púlpito). No entanto se tivesse uma casa em algum destes locais estaria descontente. Sabem porquê? Porque para além do estado da mesma o principal factor de valorização do imóvel é a sua localização. E se os estabelecimentos comerciais fecharem, as multidões de jovens se forem embora e os únicos transeuntes forem animais perdidos ou abandonados adivinham o que acontecerá ao preço do “meu” imóvel? Exacto: vai descer. Se desce muito, ou pouco, não sei (os meus dons adivinhatórios não se equiparam aos da Tia Maya, as minhas desculpas), mas parece-me óbvio que existe uma correlação directa.

Eu sei que nem todos os moradores querem vender a sua casa no futuro. Muito boa gente sempre ali viveu e apenas quer continuar a fazer a sua vida em paz….dormindo de noite. E tudo isso é normal. Que se faça uma lei para corrigir as falhas actuais também é normal. Que passe a existir mais policiamento e fiscalização, também me soa a normal. O que não é normal é este ataque directo aos empresários, aos trabalhadores e aos clientes!

Não se esqueçam que aqueles jovens barulhentos gastam ali muitos euros. Euros esses que mantêm o local aberto e pagam salários. Ora esse estabelecimento precisa de bebidas, alimentos e um sem fim de outras coisas…que irá comprar noutros locais. E escusado será dizer que também aí é necessário vender para pagar salários, não é? Tudo isto é um ciclo vicioso que a CML está prestes a quebrar com a aplicação deste despacho.

O tempo dirá o destino destes estabelecimentos, dos moradores e dos clientes. Para o bem de todos esperemos que os técnicos, e os políticos, estejam certos. Porque se não estiverem as consequências podem ser desastrosas….e aquela zona da noite lisboeta pode perder-se para sempre!

Por último….as consequências para o turismo podem ser desastrosas! Quando uma cidade que tem como um dos principais cartões-de-visita para os estrangeiros a vida nocturna, os bares, as discotecas e a relativa proximidade de várias zonas diferentes aprova uma lei deste calibre são de esperar graves repercussões. Valerá mesmo a pena arriscar o encerramento de tantos estabelecimentos, a ida de tantos cidadãos para o desemprego (ou a sua emigração) e a desmobilização dos cidadãos (nacionais e estrangeiros) para outras zonas? Para alguns parece que sim. A mim parece-me que não. Posso até estar errado, apenas o tempo o dirá.

Boa semana.
Boas leituras.