O que se passou no Festival da Canção RTP 2014 ?

Proponho-me aqui sintetizar tudo o que passou no Festival da Canção 2014 organizado pela RTP (como sempre), segundo tudo o que se pode ler pelas redes sociais, blogs e sites de alguns media (os muito poucos que ousam desafiar a RTP).

A RTP decidiu que este ano a votação ia ser totalmente através do televoto (voto por telefone), acabando com a tradição do festival de toda ou parte da votação estar a cargo de um juri convidado pela organização. Alguns dos autores convidados pela RTP a escrever músicas (e letra, claro) para o festival disseram logo que assim não concorriam. Um desses era José Cid, diz-se pelas redes sociais.
Fizeram uma semi-final com 10 músicas no dia 8 de Março, tendo passado à final, uma semana depois, as 5 músicas mais votadas. A votação nesta semi-final teve uma particularidade: cada número de telefone ou telemóvel só podia votar uma vez. Mesmo que votasse mais do que uma, só contava a última. A RTP anunciou os 5 finalistas por ordem aleatória (diziam os apresentadores no directo), mas sabe-se que a música “Mea Culpa”, de Andrej Babić (música) e Carlos Coelho (letra), interpretada por Catarina Pereira, terá sido a preferida do público e “Quero ser tua”, de Emanuel, interpretada por Suzy, a 5ª classificada.

Primeiro facto estranho: segundo vários internautas, a Sony Music anuncia, logo a seguir à semi-final, que vai comercializar a música de Emanuel. Supostamente as músicas do festival são músicas originais, nunca editadas, a conhecer na gala do mesmo. E tendo em conta as intenções dos portugueses (de apenas 5% dos votos, plasmadas em tudo o que eram sites que tinham sondagens sobre o festival) de não levar esta música a Copenhaga, o que viu a Sony Music nesta música para fazer de imediato o anúncio?

Segundo facto estranho: a RTP anunciou, logo na semi-final, que durante toda a semana e até as votações serem fechadas já em pleno directo da final no dia 15 de Março, os portugueses poderiam votar na sua música preferida mas, desta vez, podiam votar quantas vezes quisessem e nas músicas que quisessem que todos os votos contavam. Claramente, digo eu, a RTP a querer fazer negócio com as chamadas de valor acrescentado 760 que usaram para o voto (60 cêntimos mais IVA, se for à taxa do continente, que é de 23%, dá 73,8 cêntimos por chamada). Até aqui nada de estranho. Mas sucede que vários autores referem que, em certo dia da semana (não consegui encontrar o dia certo nos comentários) o callcenter da empresa responsável por gerir o televoto decide informar os autores e concorrentes  (senão todos, pelo menos alguns) de como estavam a decorrer as votações e em que lugar estavam, dando assim a oportunidade aos que não estavam em primeiro lugar de saberem quantos votos necessitariam para lá chegar. Eis que, por volta dessa altura e durante a noite, os sites que tinham votações online sobre as preferências dos portugueses, como o site dos entusiastas do festival ESC Portugal, são “bombardeados”  com visitas e, de um dia para o outro, a música que tinha estado sempre com uma média de 5% das preferências de voto salta miraculosamente para o primeiro lugar com cerca de 45% da intenção de voto. Perante as dúvidas dos internautas, o site viu-se obrigado a retirar a votação dias depois. Alguns autores, entre os quais os da música “Mea Culpa”, ponderaram desistir do festival e nem subir a palco na final perante estes indícios de manipulação da opinião pública, em relação à real intenção da maioria. Convém referir que li isto nalguns sites (até internacionais) de entusiastas do festival publicados alguns dias antes do dia da final.

Perante isto, como foi referido já depois da final, todos os concorrentes (excepto a Suzy) já terão subido a palco convencidos de que seria quase impossível bater a manipulação que se teria feito durante a semana. Corre o rumor de que Emanuel terá gasto uma pequena fortuna para contratar uma empresa que ligasse massivamente para o número da sua música, garantindo assim a vitória.

Carlos Coelho, autor da letra da música “Mea Culpa” que ficou em segundo lugar, apresentou queixa na RTP e na EBU (European Broadcasting Union, a instituição que organiza o Festival da Eurovisão), para que todas as suspeitas sejam investigadas e clarificadas. Diz o queixoso que quem não deve não teme e se a RTP tem a consciência tranquila que tudo decorreu como devia, não terá problemas em mandar fazer uma auditoria a todo o procedimento.

A minha opinião sobre isto tudo é, antes de mais, total concordância com o argumento do Carlos Coelho. Vi muita gente acusá-lo de mau perder e de “azia”. Eu não acho que assim seja. Se, durante quase todo o processo ele esteve em primeiro nas intenções de voto e, de um dia para o outro, passou a segundo com metade dos votos do primeiro, é normal que ele queira saber o que se passou. Ainda para mais, com tantos rumores a circularem (especialmente) pelas redes sociais. E, como ele mesmo disse, se a RTP fez tudo bem, tudo segundo o regulamento, não deve ter receio de solicitar que alguém externo faça uma auditoria e revele o que se passou, com todo o detalhe.

Em relação aos rumores (alguns confirmados não expressamente mas tacitamente, através de “meias palavras”, por alguns dos concorrentes derrotados na final), eu acho que, se se confirmarem, fazem todo o sentido. Porque reparem, presumo que a RTP fique detentora de alguns direitos sobre a música que ganha o festival e, tendo em conta que a Sony Music teria já anunciado que ia comercializar a mesma, a televisão pública era uma das interessadas, para além do autor da música, nos eventuais lucros que comercialização possa gerar. Para além de que, se a intenção da RTP não fosse lucrar fortemente com o festival, não faziam votação por número de valor acrescentado ou, no limite, mantinham a regra de cada telefone só puder votar uma vez (como na semi-final), tornando mais difícil (mas não impossível) a quem tem mais dinheiro poder pagar para que se votasse na música dele como, alegadamente, aconteceu.
Em suma, convém reter uma coisa: se o regulamento dizia que a mais votada no televoto ganhava, mesmo que se confirmem os rumores, não há ilegalidade pois, mesmo que o autor da música vencedora tenha pago para que votassem nele, o que interessava era o número de votos entrados no final. Mas pessoalmente não consigo entender como foi possível (ou autorizado) a empresa responsável pela votação ter revelado a meio do processo como estavam as votações (sem ter, obviamente, em vista, receber mais chamadas e lucrar com isso). Assim como sou levado a concluir que, se não houver esclarecimento (e a RTP têm-se negado a, oficialmente, comentar estes rumores) ou se os mesmos se comprovarem, após apuramento do que realmente aconteceu, que ganhou o festival não quem tinha a melhor música (para mim, desde 8 de Março que digo que era a “Mea Culpa” e comigo partilham da mesma opinião muitos milhares, por toda a Europa), mas quem tinha mais dinheiro para “comprar” (seja de que forma for) votos. E tendo a RTP dito que queria festejar os 50 anos do festival, a ter acontecido o que se especula, 2014 teve um festival à moda de 1964: portugueses com pouca ou nenhuma liberdade para escolherem (neste caso) a sua música preferida.

Para fechar este meu artigo de opinião, deixo-vos a imagem abaixo, um dos comentários que encontrei no Youtube à música “Mea Culpa”, nos vários canais/utilizadores que a partilharam. Este foi encontrado em “Eurovision 2014 Portugal Catarina Pereira – Mea culpa (Live at National Final)” (http://youtu.be/Ub6Qm9PIIqs). Acho-o bastante esclarecedor do pensamento da grande maioria, pelo que pude ler sobre o festival.

rtp

 

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