O (raro) acidente ferroviário – João Cerveira

Hoje decidi falar do acidente ferroviário de Alfarelos. O que me leva a querer comentar este assunto, para além de ser fã da ferrovia e dos comboios, é a novela que se criou à volta disto.

De um momento para o outro, vê-se pessoas, claramente desinformadas, a comparar a nossa ferrovia à de países onde os acidentes são frequentes, como a Índia, por exemplo, o que é totalmente descabido. A nossa rede ferroviária é das mais seguras do mundo. Isso mesmo prova a quase inexistência de acidentes. E até aqui – e digo até aqui porque ainda não se sabe a razão do acidente em Alfarelos – todos os acidentes de que tenho conhecimento – recordo-me, por exemplo, do choque frontal de regionais perto de Lagos há uns anos ou em Gaia, onde alguém tentou atravessar a via quando o comboio ia a passar e foi colhido – foram ou culpa de terceiros que se atravessaram na frente do comboio, a pé ou nos seus veículos, ou do maquinista por não respeitarem sinais.

A rede ferroviária nacional está equipada com um sistema de “balizas electrónicas” (chamemos-lhe assim) nas bermas da linha que dão informação para o sistema de controlo de velocidade e emergência do comboio. O/a  maquinista consegue ver no “convel” (fiquei a saber o nome agora com este acidente; até aqui conhecia o sistema mas não o nome) a velocidade máxima permitida na linha, sendo que, se essa velocidade (com mais, salvo erro, a tolerância de 1km/h) for ultrapassada, o sistema emite um sinal sonoro (que os maquinistas podem ignorar, mas não deviam) e, caso o comboio não volte rapidamente ao limite, o sistema desliga o comboio. Isto foi-me explicado por um maquinista já há uns anos e, de facto, já fiquei parado em plena linha do norte, quando viajava num regional de Coimbra para Aveiro (presumo que por este motivo). De igual forma, o sistema alerta para a proximidade um sinal amarelo ou vermelho, para que o maquinista consiga, em segurança, diminuir a velocidade da composição e até pará-la metros adiante.

Então o que se passou? Sinceramente não sei. Mas, tendo por base os relatos das pessoas, quer as testemunhas, quer os passageiros do regional, não era normal aquela composição estar tanto tempo ali parada. Isto leva-me a crer – tendo em conta que não era suposto o IC fazer paragem em Alfarelos, tendo apenas paragem programada para Coimbra-B às 21h30, ou seja, 10 minutos depois do acidente) – que ou não era suposto o Regional estar naquele sitio mas na estação e noutra linha para deixar passar o IC (e a Refer não conseguiu tirar o comboio dali a tempo) ou a ideia seria fazê-los cruzar em Coimbra-B (mas também não agiram rápido o suficiente). Há ainda uma terceira hipótese que não vi ser ponderada que é uma má disposição do maquinista do Regional. Isso justificaria o atraso na saída (ou manobra) do comboio para fora do “alcance” do IC.

O relatório preliminar diz apenas que, consultado o sistema “convel” no IC, comprovaram que o mesmo foi activado mas tardiamente, tendo o IC atingido o Regional a 42km/h. Tendo em conta que já passei por ali, quer no IC quer no Alfa a, pelo menos, o dobro dessa velocidade, é, de facto, provável que o comboio tenha deslizado. Mas a questão principal não é respondida: porque é que o Regional estava na mesma linha do IC? O IC vinha no horário certo, portanto a outra composição não devia ali estar.  Vamos esperar que o relatório final tenha a resposta a esta questão.

Segundo a legislação comunitária, só o Gabinete de Investigação de Segurança e de Acidentes Ferroviários (GISAF) pode elaborar um relatório a este tipo de acidentes (por ser uma entidade independente). Sucede que há 3 anos que o GISAF perdeu o director (que se demitiu porque não concordou com a nova legislação – que ainda hoje aplaudo – aprovada pelo governo socialista de então, de obrigar os titulares de cargos públicos a optar entre o vencimento e as pensões, não podendo acumular ambos) e, desde então, só tem uma funcionária administrativa. Resposta do actual Governo: “já herdamos esta situação do Governo anterior”. Segundo esta lógica, os Governos não resolvem questões que herdam dos Governos anteriores. Só aquelas que eles mesmo criam. Bizarro. E enquanto isto, Refer e CP – que podem bem ter responsabilidade no caso – investigam-se a si mesmas. Já estão a ver o resultado, não é?

 

 

 

Crónica de João Cerveira

Diz que…