Obrigado Soldados da Paz – Bruno Neves

Portugal é, definitivamente, o país das homenagens póstumas. Quantas vezes já assistimos nós a alguém apenas receber homenagens depois de ter falecido? Em vida ninguém se lembrava dessa pessoa (era como se não existisse), mas depois de falecer é como se fosse Jesus Cristo na Terra.

Este ano tivemos mais uma prova disso mesmo. Este tem sido um Verão em que a cor dominante, infelizmente, é o negro. O calor tem-se feito sentir, especialmente nestes últimos dias, e os incêndios continuam a consumir hectares de floresta. Dia após dia o cenário repete-se: mais incêndios, mais hectares de floresta que desapareceram tornando a paisagem cada vez mais negra e cinzenta, mais bombeiros que saem dos respectivos quarteis para fazer frente às chamas e mais notícias e referências nos jornais e nos canais de televisão a este autêntico drama da vida real. E este ano vai ficar para sempre marcado pelas cinco vidas que se perderam. Cinco heróicos bombeiros que arriscaram o que têm de mais valioso (a sua vida) por algo que é de todos nós (as florestas) e pelos bens de algumas pessoas.

Depois de falecerem, estes homens e mulheres, foram elevados a heróis nacionais (de forma mais do que merecida para que conste, mas isto não é válido para todos não é Sr. Cavaco Silva?). Contudo, é interessante constatar que depois de falecer o primeiro bombeiro a atenção dada pelos meios de comunicação social aumentou significativamente. E com o aumento da atenção dos média todo um país se rendeu à causa dos Soldados da Paz. Impõe-se portanto a seguinte questão: se este ano as chamas não tivessem originado o falecimento de cinco dos nossos bombeiros estaria a comunicação social e todo um país comovido, revoltado e sensibilizado para a causa dos Soldados da Paz? A resposta é dura e pode chocar alguns dos leitores mas é um redondo “não”.

A profissão de bombeiro é sem dúvida uma das mais duras do mundo. Muitos deles são voluntários e retiram tempo da sua vida e das suas famílias para ajudar quem precisa. E nunca pedem nada em troca. Nunca pedem mais direitos. Nunca se queixam publicamente. Mereciam todos os direitos possíveis e imaginários e eles sabem disso, mas não os vemos a ameaçar fazer greve e parar todo um país para o conseguir.

Durante o Verão todos se lembram deles, principalmente se houver um fogo nas proximidades. Mas e no Inverno? E no Outono? E na Primavera? Durante todo o restante ano são completamente esquecidos. É como se não existissem. A não ser, claro está, se chover um pouco mais do que é suposto e houver cheias por esse país fora. Aí são novamente lembrados. Porquê? Porque precisamos deles. Algumas pessoas têm com os bombeiros a mesma relação que têm com Deus: só se lembram dele quando estão aflitos.

Mas no meio disto tudo o mais irónico é pensar que aquelas pessoas que dizem “ai coitados dos Bombeiros, têm tanto trabalho e ninguém os apoia” são muito provavelmente as mesmas que não limpam os seus jardins e terrenos. Quando confrontada com a ausência de limpeza das suas propriedades essa pessoa vai, quase de certeza, responder: “se o Estado não limpa o que é seu, porque raio ei eu de limpar o que é meu?” Ou seja, é a lógica do “se eles não fazem eu também não faço”.

Desculpem que vos diga, mas deixem-se de atitudes infantis e ponham as mãos à obra. Limpem as vossas propriedades e ajudem os bombeiros. Eles precisam de ajuda no terreno durante os incêndios, obviamente que precisam, contudo ajudam muito mais de mantiverem os jardins e matas limpos. Que o Estado falha na sua função todos nós o sabemos, mas se falharmos nós também estamos a condenar as florestas deste país.

Ao perdermos as florestas não ficamos apenas com menos oxigénio. Ficamos também com localidades ainda mais isoladas, paisagens devastadas e por consequência directa menos turistas nesses espaços. E quantos menos turistas tivermos menos dinheiro é gasto no país. Esse dinheiro mantem abertos centenas de hotéis e residenciais, cafés e restaurantes, lojas de toda a espécie de produtos. E essas lojas dão emprego à população portuguesa e não só. A área ardida prejudica não só a população local como uma série de negócios que dependem da sua matéria-prima, assim como a vida animal que perde os seus habitats naturais.

Como podem ver, os incêndios são um assunto bem mais sério do que parece. E reparem que eu nem sequer abordei o quão injusta e tardia é a justiça neste assunto em particular. Até quando vamos ter incendiários à solta, prontos a causar milhares de euros de prejuízo e colocar em risco centenas de vidas e os seus respectivos bens?

Para finalizar quero apenas deixar uma nota: a campanha que decorreu durante o passado fim-de-semana para que contribuíssemos com 1€ para as corporações de bombeiros é importante pelo montante recolhido, mas mais do que isso pelo gesto que está em causa. Eu fiz questão de colaborar activamente porque acho que é um dever de todos os cidadãos.

Pensem no seguinte: quantas são as profissões onde os seus membros estão disponíveis vinte e quatro horas por dia e se preciso for arriscam a sua própria vida para nos ajudar e tudo isto em muitos dos casos regime de voluntariado?

Este texto serviu para passar uma mensagem muito importante e que nunca é demais repetir: OBRIGADO BOMBEIROS DESTE PAÍS!

Boa semana.
Boas leituras.

Crónica de Bruno Neves
Desnecessariamente Complicado
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