O paciente – Capitulo 1

És um homem feliz?

– Não.

-Porquê?

-Falta tudo na minha vida.

Foi a partir deste momento que tudo começou…

Ana Santos, 32 anos, com uma licenciatura em psicologia e um mestrado em serviço social, é contratada para fazer parte de uma equipa de jovens psicólogos, numa nova clínica de saúde e bem-estar, inaugurada recentemente no Grande Porto. Com um emprego anterior em que não era possível a progressão na carreira, e com os currículos para exercer na função publica a serem sistematicamente rejeitados, Ana vê neste novo emprego uma oportunidade de recomeçar a vida.

Está tudo bem e contigo? Ao tempo que não falamos. Sim, o trabalho está a correr bem, quer dizer, não e propriamente o que eu queria, mas sabes que depois do divorcio sinto necessidade de estar permanentemente ocupada. Oh, deixa-te disso, sabes que não posso falar sobre os meus pacientes. Ah, o quê? Para com isso, sim, temos de combinar um café, amiga. Estão a tocar à porta, vou desligar. Um beijo Susana.

-Dr. Ana, da-me licença?

-Sim, entre por favor. 

-Boa noite. João, correcto? Sente-se por favor. Como está?

Levantei-me da cadeira e cumprimentei-o com um aperto de mãos, um ritual que faço com todos os meus pacientes para que se sintam totalmente à vontade.

-Doutora, estou deprimido…

-Não me trate por Doutora, só Ana.

– Ana? Bem…ok. Ana, acho que estou uma crise de meia idade.

Olhei para a sua ficha de identificação que estava pousada em cima da secretaria, 43 anos.

-Porquê?

-Não sei, por isso estou aqui.

O que é que o aborrece?

Tanta coisa, hoje por exemplo, fui almoçar ao sitio do costume e pedi arroz com batata e só serviram arroz. Fico chateado com tanta falta de profissionalismo.

-E o que é que fez em relação a isso?

-Chamei a empregada e disse-lhe, que se não me trouxesse as batatas eu não punha mais lá os pés. Ela sorriu, pediu desculpa e voltou com as batatas.

-Ficou satisfeito depois de ter feito a reclamação?

-Não…

Olhei para ele, obviamente que tenho de o fazer como terapeuta, os olhos são o espelho da nossa alma, surgiu-me em pensamento a frase que a Beatriz me dizia, muitas vezes, em tom de gozo, quando estávamos na faculdade. Olhei novamente.

Esperei que continuasse.

-Sei lá, quando dei por mim estava o olhar para ela de cima a baixo. Eu, um cota a olhar para uma gaja de 20 anos, tem um belo rabo, imaginei de imediato a come-lá em cima de uma das mesas, de preferência com os restantes clientes a verem. E depois comecei a rir, como se algum dia uma tipa de 20 anos fosse olhar para mim, e senti uma raiva enorme porque sabia que nunca iria comer aquela tipa, empregada de balcão da treta.

Respira fundo e olha pela primeira vez para mim. Muda de assunto.

-Pode ter muitos pacientes malucos, mas eu não sou um deles, eu só vim pedir uma medicação para conseguir dormir.

-Eu não receito medicamentos. Nem prescrevo os de origem natural. Não consegue dormir?

-O que é que acha Doutora, se conseguisse dormir não estaria aqui.

-Trate-me por Ana por favor.

-Ana, é a crise de meia-idade. Estar sozinho é uma merda.

-O que significa para si estar sozinho?

-Não ter ninguém.

-E os seus amigos?

Não levo os meus amigos para a cama.

-O problema é não ter actividade sexual?

-Não porra, mas isto é algum consultório sentimental? Porra, não é sexo, sexo eu tenho quando quiser, contrato uma puta, pago pelo serviço e acabou. 

Silencio total no gabinete. Tira um cigarro do bolso e acende.

-Não pode fumar aqui.

-Porra, ainda por cima. Vou até lá fora, intervalo Doutora.

Vejo-o a sair porta fora e respiro fundo, hoje não está fácil, olho para as horas, 19.30, ultimo paciente, ainda por cima um arrogante miserável.

Levanto-me da cadeira, fico de costas para a porta enquanto bebo descontraidamente um copo de agua. Quando me viro, o paciente está na porta a olhar para mim. Fiquei incomodada, não sei porquê, volto a sentar-me na cadeira sem dizer absolutamente nada. Aguardo que se sente.

Ana, permite que pergunte, que idade tem?

Continua…