O paciente – Capitulo 2

Olhei para o paciente, surpreendida pela pergunta.

– Trinta anos? Vinte e oito? 

Interrompi-o.

Não estamos aqui para questionar a minha idade. Estas sessões têm como finalidade ajudar o paciente a melhorar, não vejo em que é que o facto de saber a minha idade o pode ajudar.

Ele olhou para mim e sorriu, levantou-se e olhou para a janela, janela onde se podia ver as ruas movimentadas do Porto, já escuro da hora que se fazia tarde, tinha estado um dia de sol primaveril, mas agora estava a esfriar.

O tempo é ingrato. Hoje ainda não fiz nada que acrescentasse algo de bom na minha vida, ontem também não, amanhã seguramente não. Quando se vê apenas o céu cinzento, só consegues andar…as tuas pernas e pensamentos só andam, não flutuam.

– O que é que gostaria de acrescentar na sua vida?

– Ana, tanta coisa porra. Não consigo sair deste marasmo que se tornaram os meus dias.

– E porquê?

Porque não tenho nada. Não casei, não tive filhos, que eu saiba, não tenho o emprego que sonhei, nem a namorada que desejei. Não tenho porra nenhuma.

O facto de não ainda não ter constituído família não é um obstáculo para a sua felicidade e para gozar a vida em pleno. Ainda é um homem novo, ainda pode formar a sua família.

– Eu sei. Já conheci mulheres casadas, envolvi-me sexualmente com algumas e a maior parte delas são infelizes, é só felicidade para inglês ver. Sofrem porque já levaram com um par de cornos e então vingam-se, mas dá sempre para o torto, porque as mulheres por norma amam os maridos, o contrario já é mais difícil.

– Acha que seria um bom marido?

– Não, posso lhe afirmar com toda a certeza que não.

– Porquê João?

– Não sei, talvez um dia a Doutora possa me dizer…

Olhei para o relógio 20 horas e 15 minutos. João, continuamos na próxima sessão. Levantei-me da cadeira para o acompanhar até à porta do gabinete. Obrigada. Até para a semana.

Sentei-me novamente. Uau! Que porra de sessão. Nunca mais terminava, já estava a sentir-me sufocada. Os psicólogos são como uma esponja, absorvem tanto dos seus pacientes, tanta matéria afectiva, os seus problemas, medos, fantasias, confissões, traumas de infância, desilusões…chego ao final de uma só sessão completamente extenuada. Hoje tenho de dormir, pensei eu. O facto de nos ultimos meses ter dormido tão pouco afecta consideravelmente a minha condição de terapeuta. Mas não vai ser hoje que vou colocar o sono em dia. Hoje preciso de ir beber um copo…

Chegamos as cinco à porta do bar. Tinha vestido o vestido preto que o Ricardo me tinha dado no nosso aniversario de casamento, na altura pensei em deitar tudo fora, principalmente as prendas que me ofereceu ao longo dos cinco anos de relação, mas quando me vi ao espelho com aquele vestido não fui capaz de tal atrocidade. Já dizia um velho amigo: vão os anéis, ficam os dedos. Coloquei um colar prateado, botas de cano alto e o cabelo solto e rebelde. Precisava mesmo de levar alguém para a cama, dois meses de tortura carnal, uma carência que me atormentava o corpo e a alma. É possível um homem destroçar-nos de tal forma que, por dentro, sentimos os pequenos vidros da alma que se quebrou? Sim, é possível, respondia o meu cérebro em uníssono com o coração. A Susana interrompeu-me o pensamento ( ainda bem). Ana, não penses tanto amiga, vamos entrar e beber um copo, estamos a precisar. Encostamos-nos as cinco ao bar, um barman sem camisola, sem pelos mas com barba, pergunta o que queremos. Rimos as cinco, três cervejas,uma cola e uma vodka com limão.

Ana, está ali um tipo a olhar para ti.

– Onde? Diz-me que é jeitoso por favor! 

– Do outro lado do balcão, estás a ver? Fez-te sinal, conheces?

– Oh foda-se, é um dos meus pacientes.

– Não sabia que tinhas pacientes com tão bom aspecto!

– Cala-te por favor.

– Ele está a vir nesta direcção.

– Ana? Olá Doutora.

Continua…