Panorama – O Frango da Páscoa

A Páscoa é já na próxima semana e as celebrações religiosas já se fazem um pouco por todo o país, sendo que durante a próxima semana serão ainda mais visíveis e intensas, visto que hoje entramos na chamada Semana Santa. A Páscoa tem diversas tradições, algumas delas de origem cristã outras de origem pagã.

A Páscoa judaica marca a fuga do Egipto e a libertação deste povo, sendo uma das mais importantes datas no calendário judaico. Nesta data é tradição comer-se o Matzá, sendo que os judeus substituem o tradicional pão fermentado por este pão sem fermento. A tradição diz que durante a fuga do Egipto não houve tempo para deixar fermentar o pão. Já entre os cristãos a Páscoa celebra a ressurreição de Jesus Cristo, sendo que a semana anterior à Páscoa é considerada a Semana Santa, sendo iniciada no Domingo de Ramos (ou seja, hoje). A morte de Cristo marca a fim dos tormentos e a Sua ressurreição o início de uma nova vida, sendo que religiosamente a páscoa é encarada como sendo um ponto de recomeço. Existe ainda um período de Quaresma, sendo encarado como um período de penitência e exercício espiritual, marcado pela ausência de carne nas refeições católicas.

Para as crianças dois dos maiores símbolos da Páscoa são o coelho e os ovos da Páscoa. O coelhinho da Páscoa remonta a tradições do antigo Egipto, tendo sido adoptado pelos cristãos e também judeus como sendo símbolo de fertilidade, nascimento e vida nova, o que acaba por ir ao encontro da ideia da ressurreição de Cristo. É também atribuído ao coelho a função de produtor e distribuidor dos ovos, o que só por si é curioso visto que o coelho é um mamífero como nós e, como tal, não põe ovos. Eventualmente seria mais correcto ser uma galinha ou um pato a por os ovos mas como as origens destas tradições definitivamente perdem-se ao longo dos anos, foi o coelho o animal escolhido.

Quanto aos ovos, esta é uma velha tradição chinesa que ainda hoje existe de presentear os familiares e mais queridos como celebração da chegada da Primavera, o que acaba por coincidir com a data da Páscoa. Os ovos são, tal como os coelhos, encarados como símbolo de nova vida. Os ovos usados para prenda pelos chineses eram de galinha, mas quando esta tradição foi trazida para o ocidente passaram a ser usados ovos de madeira, prata e ouro, normalmente decorados com várias cores ou mesmo pedras preciosas. Mais recentemente com a proliferação da indústria do chocolate, os ovos passaram a ser feitos de chocolate, o que os fez ainda mais apetecíveis para as crianças (e não só).

Então vamos a ver, os ovos foram-se desenvolvendo ao longo dos tempos passando de simples ovos de galinha a ovos de chocolate, sendo que o seu carácter é cada vez mais comercial pelo que podem ser encontrados em qualquer supermercado, com diversos tamanhos, sendo feitos de vários tipos de chocolates, com e sem recheio. Mas e o coelhinho da páscoa? E a proibição de comer carne? Onde está a actualização dessas tradições? A privação de comer carne é explicada na história pelo facto de antigamente a carne não ser consumida diariamente, sendo encarada como um alimento presente apenas em épocas festivas, daí que não faça sentido ser consumida em tempos de reflexão sobre a morte de Cristo. Mas hoje em dia a carne é um alimento bem mais acessível sendo que é consumida por muitos diariamente, sendo muitas vezes substituída por outros alimentos bem mais dispendiosos, como por exemplo, bacalhau.

Será que o sacrifício e penitência de hoje em dia é não comer carne para comer algo normalmente mais caro que muitas vezes é apenas usado em tempos festivos? Bem, se assim é, não é isso exactamente o contrário do que se pretende com o jejum, ou seja, a privação de um alimento festivo? Não seria mais lógico ter como alimento típico algo mais comum e acessível como frango? Além de ser um alimento comum, é bastante acessível e normalmente não é associado a festividades. O frango poderia também ser usado como o distribuidor de ovos da Páscoa, afinal as galinhas põem ovos ao contrário dos coelhos. Será que não está na altura de actualizar a tradição, que cada vez menos é cumprida e ainda menos faz sentido, e passarmos a comer frango na Páscoa e a tê-lo também a distribuir os ovos? Certamente a indústria do chocolate não apreciaria esta ideia mas, especialmente entre as crianças, acredito que o Franguinho da Páscoa teria sucesso. Bom apetite e boa Páscoa!

Crónica de Celso Silva
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