Para a Felicidade, com desdém

Cara Felicidade,

É com um sentimento de raiva, desapego e extremo desapreço que te escrevo para declarar a minha extrema insatisfação com as tuas atitudes perante a Humanidade (também conhecida e constituída, somente, pela minha pessoa).

Imagino que te perguntes, pese embora o teu metafísico ser, acerca da razão desta mesma carta aberta, nesta iniciativa online opinativa. Não que com questões relacionadas com privacidade estejas propriamente preocupada… O que me leva ao primeiro ponto da listagem de críticas e sugestões que tenho a realizar à tua ajurídica personalidade:

  1. Demonstrações públicas de afeto – Como podes tu permitir, no teu dia Internacional, similares coisas que tem uma tendência a desanimar as pessoas que vivem, todos os dias, envoltas nas suas inseguranças próprias, e que, consequentemente tem que consentir tais enormidades, não adequadas ao profissionalismo próprio da via pública (ou sequer à assunção da distância de segurança e respeito às liberdades religiosas no contexto da vida privada). É uma questão de princípio!
  2. Contato físico – Ah, a minha crítica preferida: como podemos nós viver numa sociedade onde, apesar das doenças, enormidades dadas pelo desrespeito dos mútuos físicos de quem orbita em volta de movimentos liberais, punição a quem as Entidades Superiores submetem as suas Bênçãos, se prospera na subsistência do que insiste em não existir?
  3. Consequências económicas – Porque tanta proximidade física desaproxima estas criaturas daquilo que realmente importa: a capacidade de produzir algo realmente útil para quem as rodeia, vis a vis, dinheiro. Bens. Matéria que compõe o Mundo.
  4. Sentimentos – sobrevalorizados. Como é possível vermos quem os rodeia desta forma, não atentando ao ponto anterior, mas sim aos seus egos?
  5. Egoísmo – extremo. Como podem querer partilhar essas suas experiências com os outros, nomeadamente, eu, quando luto incessantemente todos os dias para realizar aquilo que tem substância para todos nós?

Escrevia ele, sem parar até que um pequeno pensamento invadiu a sua mente:

 

Quando foi que me tornei amargo ao ponto de escrever uma carta a uma abstração humana, apenas para exprimir o quão infeliz me sinto?

 

Pensou ele, enquanto observava, por cima dos seus óculos e do seu Tablet, as crianças que corriam em volta de seus pais, reclamando a sua atenção, conseguindo-a, em última instância. Os amantes que se abraçavam, nesse romântico cliché, que por muito repetido que fosse, continuava a enternecer os corações de quem tinha ângulo para conseguir observar por entre os arcos de água que brotavam da fonte. Todas elas… Demonstrações. Afeto igual a felicidade. Realização, numa perspetiva que muito pouco tinha que ver com feitos. Eram tão-somente as pessoas a serem pessoas. Ele não sabia como classificar tal coisa.

Levantou-se, furiosamente, caminhando com a raiva de quem necessita de fugir de uma realidade que não era a sua. Mas que a desejava.

Mas… Por vezes… O corpo humano trai os próprios princípios perseguidos pelo indivíduo. Ao caminhar, cada vez mais lenta e inconscientemente, os seus lábios expressavam um ligeiro, mas verdadeiro, sorriso.

Talvez não fosse a felicidade que ele desdenhava, mas sim a possibilidade de vir, ele mesmo, a ser feliz.

 

 

 

ViriatoQueirogaLogoCrónica de Viriato Queiroga
Constrangimentos Opinativos