Patrões Horríveis: Isto não é um filme!

Patrões horríveis, quase parece o nome de um filme qualquer, daqueles que parecem demasiado patéticos para serem verdade. No entanto, não é incomum ouvir relatos de patrões intragáveis, que nos fazem duvidar da sanidade mental, quer dos patrões, quer dos funcionários. Não gosto de ser tendenciosa, e tal como existem patrões horríveis, também existem bons patrões e maus funcionários. Infelizmente, e da minha experiência, desconheço essa realidade, de tal modo que quase me parece um “mito urbano”. Baseada neste conhecimento, procurei juntar alguns exemplos que nos permitem caricaturar um patrão horrível.

1.      Patrão horrível tem na sua garagem o último modelo da BMW, embora nos diga que não existe dinheiro para pagar o nosso salário. Chega o dia 31, e cá vamos nós para a típica fila à porta do escritório do patrão, até porque o dinheiro faz falta para diminuir o Everest de facturas que temos em casa. No entanto, saímos do escritório tal como entrámos, de bolsos vazios e com o típico cheiro a sovaco. No dia seguinte, já sem dinheiro para gasolina ou para o passe da camioneta, debaixo de uma tempestade de dimensões bíblicas, passa por nós o mais recente modelo da BMW, que acaba por, sem dó nem piedade, levantar uma onda de água digna da Nazaré. Entre palavrões, continuamos o nosso caminho desejando um triste destino para aquele asno que, para nosso espanto, acaba de estacionar no local onde trabalhamos… e por coincidência é o nosso patrão.

2.      Patrão horrível tem um escritório com todas as comodidades, enquanto nos deixa a trabalhar numa arca frigorífica/estufa. Chega o Inverno e, com ele, aquele frio que se entranha nos ossos e nos deixa o cérebro como um cubo de gelo. Levamos três casacos, duas mantas e bebidas quentes, mas nada parece aquecer o corpo ou a alma. Desanimados, reclamamos da falta de condições, até porque se agora estamos numa arca frigorífica, no verão estaremos numa estufa, e não é muito seguro trabalhar seminu. Mas a resposta é típica, não existe dinheiro para melhorar as infra-estruturas, até porque muitos fundos são canalizados para o ar condicionado do escritório do patrão, além dos gastos associados à compra da sua cadeira reclinável de couro, do frigobar e das obras de arte de gosto duvidoso, onde estão representadas cenas de sexo masoquista.

3.      Patrão horrível culpabiliza-nos pelos seus erros. Alguém fez uma encomenda errada, e em vez de chegarem dez sofás rosa, foram-nos entregues dez cadeiras vermelhas. De imediato começa a tempestade verbal, gritos, acusações, ameaças e alguns objectos voam na nossa direcção. Somos culpabilizados pela troca, até porque fomos nós que fizemos o telefonema. Inconformados com o nosso erro, e já com a auto-estima abaixo de zero, revemos as nossas notas e reparamos num pequeno papel onde, com a letra do nosso patrão e com quatro erros ortográficos, está escrito “ecumenda des caderas vermelas”. De imediato nos levantamos para apresentar a prova do crime, mas depressa somos demovidos porque na realidade não importa a verdade… Naquele contexto só importa a opinião do patrão.

4.      Patrão horrível não tem palavra, muito menos honra. Começamos a trabalhar e esperamos que os nossos direitos sejam assegurados… Um contrato, um seguro e descontos para Segurança Social. Mas os dias passam, as promessas vão pairando no ar, e não passam disso mesmo: promessas. Não existe contrato, tal como não existirá para a pessoa que nos irá substituir daqui a seis meses, porque no fundo somos mais um bibelô totalmente dispensável.

Se necessitamos de trabalhar para estes patrões horríveis? Gostava de dizer um claro não, mas a verdade é que é mais fácil tecer juízos morais do que tomar decisões na vida real, especialmente quando se tem contas para pagar. No entanto, tenho a convicção de que ninguém merece passar por isto. Do ponto de vista legal existem, supostamente, entidades responsáveis por salvaguardar os nossos direitos, no entanto, sabemos que nem sempre a Justiça é cega, e o dinheiro que poupam nos nossos salários é, muitas vezes, aplicado em advogados eficazes na arte de contornar a Lei.

Muitas das vezes, quando estamos acorrentados a um emprego assim, pensamos que é a única saída, e esquecemo-nos que ninguém nos faz um favor no que toca ao trabalho (excepto no reino dos “tachos”, mas essa é outra conversa), trabalhamos e devemos ser remunerados por tal e, acima de tudo, devemos ser respeitados. Este ciclo vicioso pode ter fim, e quando esse fim chega percebemos que o nosso potencial estava a ser ofuscado pelo egocentrismo daquele patrão, e que quando ele nos fecha a porta, pode-se abrir uma porta muito maior e melhor.

Crónica enviada pela leitora Andreia Fonseca