Pequenas decepções do dia-a-dia – Bruno Neves

Independentemente da vida que cada um de nós tem o que é certo é que acabamos por passar todos mais ou menos pelas mesmas coisas. As experiências que marcam o nosso dia-a-dia, as boas e as más, lentamente moldam-nos e afectam a nossa personalidade. Momentos aparentemente reconfortantes que são abruptamente desfeitos ou problemas de memória que nos levam a pensar que o universo conspira contra nós (ou então que temos que tomar urgentemente medicamentos para combater as perdas de memória), aviso-o já caro leitor que neste texto vai rever parte do seu quotidiano.

Vamos por partes. Imagine que é de manhã e que está na hora de se levantar. O despertador toca, e é obrigado a levantar-se para o parar de vez. Esse é um dos piores sentimentos que existem à face da terra, pelo menos para quem gosta de dormir. Nada suplanta o aconchego que os lençóis e o cobertos nos transmitem ou o abraço suave em que a almofada nos envolve. E para mim um dos momentos mais decepcionantes do dia é quando abro os olhos pela primeira vez, constato que já é dia e são horas de sair da cama. Esse sentimento de “bolas, como é que a noite passou tão depressa e já são horas de eu me levantar?” é o maior balde de água fria que me podem dar, a sério!

Mas porventura existe algo mais decepcionante do que irmos ao frigorífico e abrirmos o pacote de leite (ou a garrafa de água, ou o pacote de sumo, é indiferente a bebida que está em causa) e constatarmos que o mesmo se encontra praticamente vazio ou de que a quantidade que sobra não é suficiente para nos matar a sede? Um gesto tão simples e banal encerra a si mesmo uma autêntica “viagem de sentimentos”. Primeiro a sede que nos leva ao frigorífico, um gesto tão automático que já o fazemos por instinto. A caminho do frigorífico começamos a pensar no que vamos escolher para beber: água, sumo ou quem sabe vinho…as possibilidades são variadas e sabe Deus o que vamos escolher.  Quando chegamos ao dito cujo temos que nos decidir, e aí cresce a antecipação pelo momento em que finalmente a sede estará saciada. No espaço de tempo que passa entre esticarmos o braço e agarrarmos na garrafa ou pacote e levarmos o mesmo à boca temos tendência a esquecer a sede (claro que ela ainda lá está) nós é que já estamos a fantasiar com o momento em que já não teremos sede. E nada é mais decepcionante do que depois deste misto de emoções constatarmos que o pacote de leite está….vazio ou que o que a quantidade que lá está presente não é suficiente para os nossos desejos.

O comando da televisão é o protagonista do próximo exemplo. Portanto, estamos sentados a ver televisão e queremos mudar de canal (ou fazer qualquer outra acção), pegamos no comando e carregamos no botão. No entanto, nada acontece. E por mais que carreguemos no botão a reacção é a mesma: zero. Nada! Passo seguinte? Exactamente: espetamos umas belas pancadas no comando, na esperança de que as pilhas fiquem intimidadas, parem a greve e voltem ao trabalho, cumprindo assim as nossas ordens. E não há momento mais decepcionante do que aquele em que percebemos que a vida daquelas pilhas chegou ao fim e é hora de as colocar no grande cemitério das pilhas que é o pilhão. E a hora é decepcionante porquê? Porque obviamente que naquele momento nada nos incomodaria mais do que sermos obrigados a sair do sofá e irmos procurar um par de pilhas para enfiar à pressa no comando. Noutra altura qualquer tudo bem, mas “naquele momento” não. Ah, e se eu fosse uma pilha a pior coisa que me podiam fazer era trocar apenas uma das duas pilhas descarregadas e obrigar-me a trabalhar lado a lado com o cadáver de uma companheira de armas recentemente falecida.

Por falar em comandos, outro típico momento é quando por mais que procuremos não encontramos o dito cujo. Reviramos toda a divisão (inclusivamente aquela gaveta em que não mexemos desde a Primeira Guerra Mundial mas na qual a partir de certo momento parece também haver probabilidades de o comando lá estar) mas nada. Esse é o momento em que estando à beira da loucura começamos a pensar que temos problemas de memória e que devemos de começar urgentemente a tomar Memofante (ou então basta termos um daqueles elefantes em casa e fica tudo resolvido. Ah, não sabe do que falo? Então veja o anúncio do Memofante e depois vai perceber esta referência).

Problemas de memória aparte a verdade é que são estes pequenos momentos que vão preenchendo a nossa vida. Uns melhores do que outros, é verdade, mas todos eles, juntos, é que dão cor aos nossos dias. Às vezes são cores claras, quentes e positivas, e noutras, cores escuras, frias e repletas de pessimismo, mas também assim são as obras de qualquer grande pintor. E são esses maus momentos, essas pequenas desilusões e decepções do dia-a-dia, que nos fazem dar tanto valor quando algo de bom acontece. O que é preciso é olhar sempre com o ponto de vista certo, tentando retirar o que de melhor existe e não desanimar nem perder a força e a confiança.

Boa semana.
Boas leituras.