Pluralidades – O regabofe da Madeira e o castigo insular

Esta passada semana, a Madeira voltou às headlines por causa do plano de resgate financeiro que acudirá a ilha e a vai impedir de falir. Não sabemos o valor do empréstimo que será feito (não convém a Alberto João Jardim revelar a soma choruda), mas pelos sacrifícios impostos à ilha, podemos antever que certamente não foi propriamente um par de feijões.

Como atestado de incompetência da gestão de Jardim, a dívida pública da Madeira será transferida para o Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, por forma a garantir a cessação dos dislates e impulsos faraónicos de um tirano desnaturado. Mais, as competências administrativas dos assuntos fiscais madeirenses saem da órbita dominada por Jardim, e serão também estas tuteladas por organismo próprio.

A medida mais gravosa reserva-se ao aumento do IVA para uma taxa de 22%. Os demais impostos são, na sua generalidade, equiparados ao continente, para infortúnio do povo insular. Assim, Alberto João Jardim vê-se obrigado a aplicar medidas que certamente não são benéficas para si, sendo que algumas até violam as promessas eleitorais que sempre vociferou nos seus espasmos de diarreia verbal – incluindo a do não despedimento de funcionários públicos e redução nos cargos da administração regional.

A austeridade dói, mas é necessária. Não podemos permitir a implosão da Nação em virtude dos laxismos de um dirigente, cuja inépcia hipotecou por completo uma ilha, e garantiu dívidas aos contribuintes nacionais, que em último caso são sempre os penalizados pelos desvarios da (des)governação deste homem. É preciso não esquecer, contudo, que não lhe cabe somente a culpa a ele, senão também aos milhares de pessoas que em todas as eleições faziam questão de reforçar as suas maiorias absolutas, negligenciando por completo o futuro de gerações. Alberto João Jardim apresentava-se em eleições sem sequer ter uma ideologia definida que não fosse a do despesismo, ou um programa político delineado. Através do circo e da retórica inflamada, bramia uns impropérios que deliciavam quem fazia questão de os ouvir.

Quem trabalha com insulares, como no meu caso, ouve de tudo: “vocês aí no continente são uns aldrabões”; “porque é que estão a telefonar para aqui?”, “deixem-nos em paz!”. Ou seja: o país não é uno, divide-se em dois. Ninguém vê Portugal como a união de um continente e suas ilhas. Acham que o distanciamento geográfico determina o distanciamento patriótico e de pertença. Não entendem que estamos todos no mesmo barco. Enfim, muitos são assim vítimas dos sentimentos de cólera instigados pelo seu tão nocivo ditador.

Durante décadas, aplaudimos o espectáculo deplorável da (des)governação do PSD Madeira. Achávamos piada ao senhor, bem como aos números tristes que protagonizava. Não tínhamos coragem de travar os seus despautérios, e tolerávamos todas as formas de insulto, difamação e até mesmo extorsão. Tudo isso sem limites porque, afinal, “são insulares” e, ao abrigo desse argumento, justificavam o não pagamento de impostos à República, bem como inúmeros benefícios por essa mesma alegada “insularidade”. Pergunta: não é Trás-os-Montes, por exemplo, igualmente isolado, desprotegido, despovoado e deserto? Não temos no continente regiões bem semelhantes à Madeira, cujas pessoas fazem um esforço tremendo para poder honrar compromissos enquanto cidadãs? A Madeira recebe um “subsídio de insularidade” de 300 milhões de euros, e a sua dívida foi perdoada várias vezes, apesar dos desmandos mais do que evidentes, elaborados à margem de leis e acordos que jamais foram cumpridos.

E alguém quis saber disto? Alguém teve tomates para fazer frente a todo um chorrilho de boys e girls e “yes men” que rodeavam e rodeiam Jardim? Porque se comportam como virgens ofendidas, como se as medidas fossem injustas e inesperadas? Está mais do que na altura de aceitar esta espécie de karma governativo, e responder pelas acções do passado. Porque um dia tudo se descobre, e os buracos não podiam permanecer escondidos durante muito tempo.

Crónica de Joaquim Ferreira
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