A polémica das drogas leves

A história habituou-nos a que neste canto à beira-mar plantado tudo seja possível. Mesmo aquilo que parece saído de um conto infantil ou de um filme de terror (depende dos casos) torna-se possível em Portugal. O último exemplo disso mesmo foi-nos dado pela actual Ministra da Justiça. Paula Teixeira da Cruz afirmou, numa entrevista à TSF, que é a favor da despenalização das drogas leves. Estaremos a caminhar para um futuro onde poderemos comprar drogas no mesmo espaço em que aviamos a receita para o nosso avô? Talvez sim, talvez não, apenas o futuro o dirá. Mas é impossível negar que este tema entrou no debate público. É, por isso, tempo de o “Desnecessariamente Complicado” olhar para esta temática.

Agora que a prisão preventiva do ex-Primeiro Ministro é um assunto requentado que vende tanto como qualquer outra polémica estávamos a ficar entediados não era? Pois era. Mas felizmente a Ministra da Justiça resolveu animar a nossa existência com um assunto polémico quanto baste: a legalização das drogas leves.

Na entrevista referida acima a senhora Ministra afirmou: “Está demonstrado, e para mim foi muito claro com a lei seca nos Estados Unidos, que a repressão nessa matéria, a proibição, leva a que se pratiquem aqueles crimes e crimes associados. Nesse contexto, eu entendo que há vantagens em fazer essa liberalização. Embora não goste da palavra. O que estamos a falar é de despenalizar.” Mas será que é mesmo assim? Sendo isto verdade devemos legalizar tudo o que for proibido na esperança de que as estatísticas desçam? Pois, talvez seja melhor não levar estas palavras demasiado à letra.

Mas Paula Teixeira da Cruz disse ainda que “os negócios de droga são profundamente rentáveis”, e que se houver uma despenalização da venda, se a droga estiver disponível para venda nas farmácias, “haverá ganhos para os cidadãos”, com uma diminuição da criminalidade organizada, da actividade de gangues violentos, e do branqueamento de capitais. Mas alguém acredita que a violência, o tráfico de droga e tantos outros crimes associados, vão diminuir por causa desta medida? Claro que não! Quem actualmente consome droga ilegalmente não vai começar, subitamente, a pagar por ela na farmácia! Aumentar a oferta das drogas ao público em geral nunca poderá ter como consequência a diminuição do consumo! E pensar o contrário é uma utopia! Por nos Estados Unidos da América (EUA) se poder comprar uma arma de forma simples e rápida (e com pouca burocracia) isso não significa que existem menos crimes ou menos armas nas casas americanas, pois não? Pois…

Mas vamos analisar, de forma mais aprofundada, estas polémicas afirmações. Assim que as analisamos o que é que transparece primeiro? A vertente económica. Torna-se claro que o real objectivo é transportar para a economia real os milhões de euros que são transaccionados na economia paralela. E na maior partes dos casos isso não teria nada de mal, seria até o procedimento mais lógico! Contudo, neste caso em concreto tal não faz qualquer sentido uma vez que estamos a falar de…drogas! Não é, definitivamente, desta forma que vão conseguir acabar com o consumo de drogas…

“Ah mas são drogas leves” dirá o leitor mais distraído. Pois são, verdade. Mas o facto de serem “leves” não faz com que deixem de ser “drogas”. Mas antes de mais nada: o que são drogas leves? Bom, primeiro que tudo, chama-se droga a toda e qualquer substância (susceptível ou não de aplicações médicas dependendo dos casos) usada para fins diferentes dos que são legítimos em medicina, e que pode produzir uma modificação (fisiológica ou psíquica) no organismo humano. Indo agora há pergunta colocada há pouco: designa-se por drogas leves a marijuana, o haxixe, as anfetaminas e ainda alguns analgésicos e tranquilizantes.

E a comunidade científica tem vindo a lutar pela separação dos termos, e definições, de “drogas leves” e “drogas duras”. Dizem que é injusta, uma vez que o mais importante é a idade do individuo e as suas características e não as propriedades químicas elas próprias. Ou seja, trocando por miúdos: o consumo frequente de uma droga leve (como a marijuana ou o haxixe, por exemplo) por parte de um adolescente de 14 anos pode ter efeitos mais nefastos que o consumo de uma droga dura por parte de um individuo de meia-idade. Já para não referir que o consumo de drogas leves pode (e na maior parte dos casos leva mesmo) evoluir para uma dependência de drogas duras. Ou seja, aquilo que até pode começar como brincadeira, e de forma ocasional, pode muito rapidamente transformar-se num vício em drogas duras. Quantos lares sãos e saudáveis, pode esta lei deteriorar através desta lei? Deve todo o trabalho das últimas décadas na saúde pública ser colocado em causa apenas para que o Estado encha um pouco mais os cofres com o dinheiro que daqui receberá?

A sério que é neste país que queremos que os nossos filhos (e netos, e sobrinhos, e primos, e amigos, e compatriotas em último caso) cresçam? Quanto a vocês não sei, mas este não é definitivamente o país onde quero que o meu filho cresça!

A possível legalização destas drogas coloca várias questões em cima da mesa. Desde logo: em que espaços seriam vendidas? Nas farmácias? Eu pessoalmente tenho várias dúvidas se serão os espaços mais apropriados para a venda de marijuana. Contudo parecem ser a única hipótese viável. E como seriam vendidos: ao balcão ou em máquinas de venda automática como o tabaco ou a comida? Estas máquinas existem e todos os relatos que li referem-na como eficaz, mas não serão demasiado dispendiosas? E estamos a falar de quantos pontos de venda ao certo? Sim, porque uma coisa é vender em algumas farmácias e outra, completamente diferente a todos os níveis, é vender em todas as farmácias do país. E mais: ficaria o Estado encarregue da plantação, e produção e distribuição em massa, das referidas drogas? Se sim que custos poderia ter tudo isso? Se não: qual seria a solução? É que se a solução for comprar aos dealers que a vendem nas ruas para a vender nas farmácias (ou importá-la de outros países) tudo isto se torna ainda mais descabido…

Mas a questão mais importante de todas ainda não foi colocada: quem poderia comprar as referidas drogas leves? Porque se estamos a falar apenas das pessoas que têm receita médica para as consumir este pode ser um assunto pacífico. Mas se estivermos a falar de permitir que o cidadão comum consuma substâncias ilícitas esta ideia torna-se completamente demente.

Mas sabem o que é verdadeiramente interessante? O facto de João Goulão, “apenas” o Presidente do Observatório Europeu da Droga e Toxicodependência, ter afirmado (entre outras coisas muito curiosas) que “neste momento, temos tantas e tão graves situações na política interna, nas condições de vida dos nossos cidadãos, que esta, de facto, não me parece uma prioridade política.”

A primeira conclusão é, portanto, que existem demasiadas variáveis que devem ser cuidadosamente pensadas e estudadas antes do assunto ser sequer considerado.

Mas Portugal não é, nem de perto nem de longe, o primeiro país onde este tema é discutido. Aliás em alguns estados dos EUA e no Uruguai as drogas leves já foram despenalizadas. E o que tem João Goulão a dizer sobre essas experiências? Disse o que qualquer cidadão sensato diria: “Na minha opinião, agora é tempo de acompanhar as experiências noutros países e ver o impacto que têm ao nível dos consumos e na saúde individual e colectiva e, por outro lado, em 2016, as Nações Unidas vão organizar uma conferência para debater estas questões”.

original

Mas, para já, nada há a temer, sabem porquê? Porque segundo o Primeiro Ministro,Pedro Passos Coelho, “não é matéria que esteja no programa do Governo, não é uma discussão que tenha sido travada no seio do Governo, não estou inteirado das circunstâncias em que a ministra Paula Teixeira da Cruz terá feito essas afirmações, mas concluo que ela as fez muito a título pessoal”. E se não é uma prioridade isso significa que poderá não ser algo para esta legislatura. E na próxima legislatura só o destino sabe quem estará à frente do Governo, portanto, para já nada tem a temer caro leitor.

A conclusão é a de que este tema será sempre polémico, seja qual for a versão discutida e, eventualmente, aprovada e colocada em prática. Mas é indiscutível que a Ministra da Justiça acaba por ficar mal na figura ao deixar transparecer que apenas pensou nos milhões de euros que poderiam, eventualmente, entrar nos cofres do Estado.

Infelizmente são os políticos, e o país, que temos. Resta-nos esperar que o futuro seja simpático connosco, porque Portugal (e os portugueses) não aguenta muito mais…

Boa semana.
Boas leituras.